Jason Bourne e a ação no século XXI
A partir de 2002, quando chegou aos cinemas o filme A Identidade Bourne, do diretor Doug Liman e roteiro de Tony Gilroy e William Blake Herron, padrões típicos do cinema de ação começariam a mudar aos poucos. Mas isso era inevitável. A nova interpretação para a narrativa da ação que começou ali e solidificou-se com o filme seguinte, A Supremacia Bourne, mudaria a forma geral de como veríamos esse tipo de gênero na telona nos doze anos que se passaram desde o segundo filme da série.
Quais foram essas mudanças?
Elas aconteceram em duas pontas. Primeiramente, o tipo de ‘herói’, que na realidade é mais anti-herói, pois possui uma personalidade obscura (Jason é um matador, mas que sofre com seu passado), além de uma agressividade furiosa em combate, por exemplo. Óbvio, que essas características de anti-herói não são uma novidade no cinema: no gênero Western da década de 60, tínhamos o ambíguo personagem ‘o Homem Sem Nome’ interpretado por Clint Eastwood, na Trilogia dos Dólares do diretor italiano Sergio Leone. O anti-herói no cinema de ação ainda não era o padrão referencial que encontramos hoje.
Algumas características que a sólida e inspiradíssima interpretação que Matt Damon, principalmente a partir de A Supremacia Bourne, trouxe ao agente desmemoriado são: na atuação sóbria, do fardo que a personagem carrega no olhar devido as mortes que causou, e na ação física, que é de uma precisão de movimentos e escolhas (quase sempre corretas) cirúrgica, atrelada a uma truculência implacável na luta.
Tais características são encontradas hoje em dia em outros filmes emblemáticos – além de gigantes para o público – como o atual multi-oscarizado filme de fuga Mad Max: Estrada da Fúria, onde o personagem-título Max, assim como Jason Bourne, carrega e sofre com o peso de suas escolhas; no caso de Max, principalmente pelas vidas que não pode salvar, incluindo esposa e filho, e através de suas ações, uma busca por redenção que nunca parece vir. Outra série de filmes até mais conhecida pela história que os filmes Bourne, que contemplou e trouxe características definitivas para seus filmes atuais, foi a série 007 com Daniel Craig à frente do agente James Bond, que pode-se dizer é ‘mais Jason Bourne do que James Bond’ de 2006 (007 – Cassino Royale) até dias atuais, principalmente por sua brutalidade física (ainda mais brucutuzada!) na ação.
Cena de Mad Max: Estrada da Fúria
Aqueles heróis de ação mais ‘canastrões’ (isso não é uma crítica, muito pelo contrário!) dos filmes de ação hollywoodianos que foram o padrão no cinema nas décadas de 80/90 ainda são encontrados hoje, obviamente, pois existe espaço e público para isso, dos mais antigos como, Kurt Russell, Sylvester Stallone, Mel Gibson, Bruce Willis, até os novos ‘canastrões’ como Vin Diesel e Tom Cruise, por exemplo. Jason Bourne não tagarela (fala pouquíssimo) como o personagem de Mel Gibson na série Máquina Mortífera, ou termina o filme de roupa rasgada e sujo de sangue dos pés a cabeça como o John McClane de Bruce Willis na série Duro de Matar. Não. Jason Bourne é mais sóbrio em sua fala e tão preciso em suas ações, que conta menos com a sorte e mais com o próprio talento. Assim, suja-se menos com seu sangue, ou até dos outros (no cinema de ação de Hong Kong nos anos 80/90 com Jet Li e Jackie Chan, isso também era um padrão).
Bourne é sisudo, e objetivo.
Agora, falando diretamente do material cinematográfico que os filmes da sérieBourne representam, significa falar do diretor Paul Greengrass.
Doug Liman, diretor do primeiro filme não assumiu a cadeira na sequência da série de filmes. Liman começou com um trabalho muito bom e repleto de riquezas de enredo, e também cinematográficas. Mas foi nas mãos do diretor Paul Greengrass que a série Bourne tratou de arrombar a porta com uma voadora com os dois pés. Greengrass é um narrador espetacular de ação pois a usa como um meio narrativo para se contar a história, com poucas falas (diálogo) explicativas, e uma câmera semidocumental, além de uma edição de cortes rápidos e precisos que ditam ritmo, como os próprios movimentos de Jason Bourne.
Foi nos filmes A Supremacia Bourne (2004) e O Ultimato Bourne (2007), ambos com a direção de Greengrass, que essa série alcançou, definitivamente, uma mudança de paradigma para o cinema de ação do começo deste século. A ação ficou mais densa, dinâmica e com mais seriedade de tom. Até os filmes que usam da plasticidade e beleza dos movimentos para elevar a níveis maiores sua ação (Mad Max: Estrada da Fúria, por exemplo), mesmo estes, puxam muito da tonalidade da série Bourne a seus filmes.
Agora, neste ano, temos o retorno de Matt Damon interpretando o ex-agente da CIA, no filme intitulado Jason Bourne. No capítulo atual, novamente com Paul Greengrass na direção, o filme tem mais do mesmo, sem inovações ou ideias de conceito diferenciadas dos dois anteriores, mas continua com uma ação de cair o queixo. Apenas a cena espetacular (!!!) de perseguição nas ruas de Atenas, na Grécia, mostram que Jason Bourne não apenas veio para ficar, mas para ser a referência mais significativa do gênero, por enquanto, neste século.