Crítica: Kóblic
Durante os primeiros segundos de Kóblic, novo longa do argentino Sebastián Borensztein, que ganhou atenção internacional com seu célebre Um Conto Chinês, encontrava-me cativado pela tensão do que viria a acontecer a partir dali. Infelizmente, aqueles breves segundos eram apenas um vislumbre do bom filme que Kóblic poderia ter sido. Nem mesmo o requisitado Ricardo Darín (Relatos Selvagens) consegue salvar um projeto tão dolorosamente inexpressivo.
Tomás Kóblic, interpretado por Darín, é um aviador argentino que foge de seu passado vinculado à ditadura Pinochet, no Chile. Apesar de outros detalhes já estarem esboçados em sua sinopse oficial, aqui o enredo, de tão deliberado, acaba por tratar a participação de Kóblic nos “voos da morte” mais como breves e misteriosas memórias que um feito realmente assombroso e inescapável. Esperava-se ao menos um foco mais aprofundado no inevitável sentimento de culpa que o personagem sente, mas em vez disso, o que se recebe é um genérico híbrido de faroeste, romance e thriller noir. Com poucas locações e personagens, as limitações do roteiro estão sempre muito aparentes, visto que o próprio Darín já participou de projetos de temática semelhante, tão superiores a este no que diz respeito a… bom, absolutamente tudo.
Dentre o elenco de suporte, destaca-se Oscar Martínez ( o pai do motorista embriagado no 4o segmento de “Relatos Selvagens”), fisicamente irreconhecível como o corrupto policial Velarde. Apesar de sua caracterização e vilania cartunescas, Martínez garante um ou outro bom momento, especialmente no terceiro ato, contracenado por Inma Cuesta, que por sua vez, é limitada ao ingrato papel de mocinha (quase) indefesa, que faz par romântico com Darín. Co-roteirizado por Borensztein e Alejandro Ocon, os personagens e suas motivações são apresentados de maneira unidimensional, dificultando visivelmente o trabalho de seus intérpretes.
Fotografado com paletas frias por Rodrigo Pulpeiro, Kóblic traz alguns momentos interessantes de suspense, tais como o pouso do avião na estrada e o confronto no hangar, ao final. Infelizmente, durante a exibição do filme, tal fora projetado na íntegra respeitando a razão de aspecto de 16×9, sendo que o longa foi claramente realizado na razão de 2.35 : 1 (a mais típica de cinema). Ou seja: a tela estava cropada, com letreiros e até mesmo objetos de importância ultrapassando os limites do quadro. Um erro que muito provavelmente não se repetirá assim que entrar em circuito.
Levando-se demais a sério sem nem fazer por merecer, a condução de Borensztein é tímida e pouco inspirada. Fica a impressão de que é um realizador muito mais adequado para comédias, precisando treinar sua mão para películas de tom mais sóbrio como esta. Recorrendo a uma genérica e super-séria trilha musical (que eu definiria como pós-Nolan), o resultado é um filme que na superfície se apresenta como um grande thriller político, mas que por baixo dela tem pouquíssimo a dizer. Abordando temas como crimes políticos, deserção e anistia na ditadura com simplismo, Kóblic é sofrivelmente superficial, raramente desenvolvendo em cima de qualquer um destes pontos.
Acima de tudo isso, porém, o que realmente fica é a impressão de que um ator como Ricardo Darín, tão requisitado, é um intérprete cuja força depende fortemente da competência de seu material. Em Kóblic, infelizmente, o material não é dos melhores.