Crítica: John Wick – Um Novo Dia Para Matar
Esta não é uma celebração da vida, do amor e da bondade. Os leitores que já tiveram o prazer de descobrir De Volta ao Jogo, primeiro longa do personagem John Wick, estão cientes do balé da morte que os aguarda no cinema. Com uma contagem de corpos ainda maior, John Wick – Um Novo Dia Para Matar se salva do excesso dessensibilizado com uma construção de mundo dedicada, expandindo as regras do Wickverse com boas doses de humor e criatividade.
Dirigido por Chad Stahelski, que co-dirigiu o primeiro capítulo com David Leitch, Um Novo Dia Para Matar tem seu início momentos após a conclusão de sua parte anterior. Com uma sequência de ação automobilística e uma pancadaria brutal, tem-se ideia da execução cirurgicamente precisa do que virá nas próximas duas horas.
John Wick, que crê ingenuamente que poderá desfrutar de sua prorrogada aposentadoria, recebe a visita de um conhecido do passado, Santino D’Antonio (Ricardo Scamarccio), ao qual Wick deve praticamente sua vida civil. Recusando-se a cumprir sua dívida para com D’Antonio, o ex-assassino tem sua casa derrubada ao fogo de um lança-granadas e é forçado a cooperar com o mafioso.
Inicia-se uma caçada humana global, que traz inúmeros obstáculos e armadilhas, os quais seriam um maior problema caso Wick, ou melhor, Keanu Reeves não mandasse tão bem no departamento de chutar bundas (ou atirar nelas, como preferir).
Em um enredo mais dedicado a estabelecer e expandir as regras de seu mundo do que o próprio universo pessoal de seu protagonista, Reeves exercita um alcance dramático ligeiramente menor se comparado ao primeiro longa, mas continua com seu carisma estoico intacto. Retornam também Lance Reddick e Ian McShane, novamente ótimos como o concierge Charon e o gerente Winston, respectivamente. Também introduzido ao cosmo do Continental é Julius, interpretado por ninguém menos que Franco Nero, o eterno Django (não, não é AQUELE Django).
Já ao elenco de assassinos, além do já mencionado D’Antonio, são incluídos Cassian (Common), Ares (Ruby Rose) e o Bowery King (Laurence Fishburne). O primeiro dá as caras em dois dos melhores momentos do longa, confrontando Wick em Roma e Nova York, exibindo pequenas nuances de consideração pelo anti-herói. Já Ares, a chefe de segurança muda de D’Antonio, prova-se um bom canal para Ruby Rose demonstrar sua fisicalidade e também boa presença, embora sua luta final com Wick, prometida ao longo da história, seja um tanto curta demais para realmente deixar sua marca. Por fim, o Bowery King se beneficia do enorme carisma de Fishburne, mas infelizmente tem pouquíssimo tempo em tela, servindo mais como uma participação especial do que figura ativa na trama.
Com duração de quase meia-hora a mais que o longa que o precede, Um Novo Dia Para Matar não cede à repetitividade graças ao imenso esmero de Stahelski em criar situações distintas, muitas vezes apostando no humor, inevitável dada a implausibilidade das várias cenas. O plano inicial já apresenta a projeção de um clássico de Buster Keaton, eternizado por seus truques arriscadíssimos, o que pode ser tomado como anúncio das pretensões de Stahelski.
É uma ode ao trabalho do dublê, que assim como Keaton, leva seu ofício a sério para que o público possa fazer o contrário. O impossível torna-se palpável, mesmo sem deixar de ser, isso mesmo, impossível. Raros são os filmes de ação que respeitam a inteligência de seu público sem sacrificar qualquer o próprio escapismo.
Méritos também vão para o roteirista Derek Kolstad, que expande a mitologia sugerida no primeiro capítulo de maneira graciosa, que traz à memória ótimas sequências como Hellboy 2 e outras continuações que se divertem com a variedade de conceitos criativos apresentados. O Hotel Continental, porto-seguro para os assassinos, não só está presente em Nova York como também tem unidades ao redor do mundo, neste caso sendo introduzida a filial de Roma, gerida pelo personagem de Franco Nero.
Usando de uma economia secreta, Wick tem acesso a alfaiates especializados em blindagem tática, sommeliers de armas que descrevem seus itens com o mesmo apreço que têm por vinhos e até mesmo uma biblioteca de mapas secretos que o põem a um passo a frente das mais robustas seguranças.
Agregando ao senso de humor exercido na direção de Stahelski, Kolstad também cria cenários nos quais a ação de seus personagens se mantenham coerentes com as regras do Continental, rendendo uma série de momentos criativos que ressaltam a identidade do Wickverse.
Por outro lado, a riqueza mitológica toma o espaço antes pertencente à simplicidade refrescante presente no original, no qual as engrenagens narrativas operavam de maneira mais clara e também mais pessoal. Nada, no entanto, que comprometa esta ótima continuação de realizar sua premissa principal: criar novos conflitos para que John Wick traga o inferno à terra.
O longa também excede expectativas em seu departamento técnico. A fotografia banhada em neons do dinamarquês Dan Laustsen, de A Colina Escarlate, torna Um Novo Dia Para Matar em um espetáculo visual, repleto de imagens vibrantes, culminando em um clímax tenso e esteticamente rico dentro de um salão de espelhos.
Já a montagem de Evan Schiff respeita o tempo de cada plano e golpe, sem medo de evidenciar a natureza quase teatral de algumas lutas e valorizando o design de produção exuberante do ótimo Kevin Kavanaugh, responsável tanto por O Cavaleiro das Trevas quanto por O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Embalando a ótima estética criada por tal equipe, tem-se o retorno de Tyler Bates na trilha, que compõe, com um dedo em EDM(Electronic Dance Music), faixas bastante energéticas junto de Joel J. Richard.
Em tempos nos quais o público volta a glorificar o cuidado na coreografia e a forma cinematográfica de maneira mais pura, Um Novo Dia Para Matar é um grande presente não só para os fãs mas também para o cinema de ação ocidental, que se perdeu na busca pelo excesso e, como tentativa de controlar gastos, constantemente emprega técnicas destinadas a esconder falhas de execução e no processo desvalorizando diversos outros esforços de produção (ex.: a tão condenada shaky-cam).
Fadado a estrear no mesmo fim de semana no qual Lego Batman e Cinquenta Tons já dominam as estimativas da bilheteria norte-americana, John Wick – Um Novo Dia Para Matar pode se beneficiar mundialmente pela falta de um numeral em seu título, convidando e incluindo o público que não teve a chance de conferir seu predecessor (ora, devo dizer, está na Netflix!).
Recomenda-se então que todo cinéfilo em busca de uma diversão despretensiosa dê uma chance a esse novo e precioso veículo encabeçado por Keanu Reeves, que junto a Chad Staheslki e equipe, mostram que todo esforço realmente vale a pena dentro da arte cinematográfica.
Que venha o próximo capítulo!
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