Crítica: O Filme da Minha Vida

Crítica: O Filme da Minha Vida

Por que diabos o grande autor de O carteiro e o poeta entregaria um livro para eu filmar? Muita responsabilidade! Quando eu li, compreendi tudo. Os sonhadores se reconhecem de longe. As páginas iam passando e a certeza aumentando de que eu tinha que filmar essa pequena história passional.” Selton Mello

Em seu terceiro longa-metragem, desta vez baseado no livro Um Pai de Cinema de Antonio Skármeta, Selton Mello se sobressai com uma impressionante habilidade de direção e roteiro literalmente infalível. Ir ao cinema e ver O Filme da Minha Vida é se deslumbrar com o melhor do cinema nacional. Tecnicamente extraordinário e tematicamente nostálgico, o filme leva ao público as emoções mais autênticas que um cinéfilo pode carregar consigo. Difundir perfeitamente o peso das memórias e dos sentimentos de um protagonista é bem difícil, mas o grandioso roteiro de Mello e Marcelo Vindicatto transpõe todas as barreiras cinematográficas imagináveis.

No drama (que se passa nos anos 60), o jovem Tony (Johnny Massaro) decide retornar a Remanso, Serra Gaúcha, sua cidade natal. Ao chegar, ele descobre que Nicolas (Vincent Cassel), seu pai, voltou para França alegando sentir falta dos amigos e do país de origem. Tony acaba tornando-se professor e vê-se em meio a conflitos e inexperiências juvenis. Essa simplista sinopse não é sequer um décimo do que a obra transmite em cada plano, em cada aproximação de câmera, em cada cenário e em cada expressão. Os singelos aspectos da adolescência de Tony são tamanhos, que qualquer expectador é capaz de se identificar. A puberdade, o descobrimento da vida, as responsabilidades… tudo é muito bem conduzido pelo roteiro e pela delicada interpretação de Johnny Massaro, que faz de Tony um personagem nutrido de personalidade e relevante aos olhos do público.

Não somente Johnny se destaca como ator. Vários outros espessos personagens secundários possuem suas influências na vida de Tony, e absolutamente todos são bem interpretados. Paco (Selton Mello) traz a possível amizade e o conforto em suas palavras. Luna (Bruna Linzmeyer), uma sonhadora e animada jovem, representa a paixão de Tony. Petra (Bia Arantes), irmã de Luna, é a personagem mais quieta e misteriosa da história, e portanto responsável por transmitir tudo através do olhar. Sofia (Ondina Clais), a única e consoladora mãe de Tony, também apresenta a clara melancolia de uma mulher solitária. E por fim, Nicolas (Vincent Cassel) é o pai ausente, porém presente. Presente nos pensamentos de seu filho, nas felizes lembranças que no presente se fazem dolorosas.

Há até alguns nomes terciários como: três alunos super divertidos de Tony, que vivem aprontando com o pobre professor; Tita (Érika Januza), colega de trabalho de Sofia; e também Giuseppe (Rolando Boldrin), um experiente e sábio maquinista de trem que conhece a vida de todos seus passageiros, mas que nunca interfere.

Ao singularizar bem seus personagens, o roteiro ainda dá belos presentes ao público, como notórias referências ao cinema clássico hollywoodiano (sempre amado pelos brasileiros na época), e à língua francesa (a qual Tony leciona). Não satisfeito, Mello e Vindicatto elaboram ótimos alívios cômicos (principalmente para o personagem Paco) que nos fazem rir com um humor acessível e nada requintado. Esse roteiro multifacetado se torna um dos mais deliciosos que já tive o prazer de testemunhar. Agora imagine: ótimos personagens, atores qualificados, uma linda história dramática muito bem escrita/adaptada e um leve toque de comédia por trás já seriam o bastante para consagrar O Filme da Minha Vida como uma ótima produção brasileira. Mas quem disse que para por aí?

É hora de comentar sobre os elementos técnicos mais vistosos que nos fazem criar uma direta e imediata empatia com o filme. Comecemos com a viva e intensa fotografia do maior mestre de nosso país, Walter Carvalho, que não decepciona (como sempre) e mescla planos médios e abertos que aos poucos se fecham em lentas aproximações (zoom) nos rostos de seus personagens. Tudo isso se reforça com a convidativa direção de arte de Cláudio Amaral Peixoto. A decoração dos cenários, as cores de cada objeto/parede e toda ambientação além de ser extremamente fiel à década de 60, também agrada nossos olhos. Mas claro que o mérito também vai para Kika Lopes, responsável pelo marcante figurino da obra. Uniformes, casacos, camisas, blazers e várias outras roupas bonitas acalentam o coração do expectador com uma paleta vibrante.

E sabe o que é mais apaixonante? A trilha sonora. Um apanhado de lindas músicas brasileiras, francesas e americanas nos habituam ao universo da história, e o curioso é que mesmo sendo poucas músicas, elas se iniciam e terminam no momento exato. Dar espaço para a absorção do público é importante, e o ritmo das músicas possibilitam diversas sensações no expectador, conforme deseja a direção e a própria proposta de cada cena.

Não se engane ao pensar que todo esse semblante colorido e bonito se deve apenas a direção de fotografia e arte. Talvez o maior responsável seja a montagem, que não economiza e insere logo um filtro amarelado que permeia todo o filme, nos remetendo aos raios de sol de uma longa tarde no sul brasileiro. Além da colorização, a montagem funde os planos de maneira não só agradável, como também trazendo um significado (cômico ou dramático) com uma quebra seca da cena. Em alguns momentos, a montagem se torna mais evidente, ligando pequenos planos com cortes rápidos, dando à cena um visível dinamismo que se apoia na trilha sonora.

A obra, ao lado de Divinas Divas, prova-se mais um grande sucesso do cinema nacional de 2017 e que tem tudo para virar um clássico de nosso país. Curiosamente, ambos os filmes são dirigidos por famosos atores (Selton Mello e Leandra Leal), que se tornam cineastas merecedores de atenção. O Filme da Minha Vida esbanja sutilezas, afeto e sensibilidade por todos os seus três atos. No mínimo, um filme inesquecível. Selton Mello é responsável por mais uma obra-prima do Brasil, que, em minha opinião, trata do abandono, amor e compreensão de maneira fortíssima, calorosa como nunca vi igual.

Por fim, leitor, deixo aqui minhas mais sinceras palavras. Sou brasileiro e tenho noção dos infelizes problemas que nosso país enfrenta com a distribuição e exibição de filmes nacionais. Com exceção das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e das grandes produções populares que estreiam em todos os cinemas do país, poucos filmes chegam para cidades do interior (onde moro). E é com pesar que afirmo que o filme em questão não será lançado em todas cidades do Brasil. Por outro lado, se o filme não chegar em sua cidade, peço (e sugiro) para que faça um pequeno esforço: vá até a cidade mais próxima em que o filme for lançado e presencie essa experiência única e memorável. Não vai se arrepender.

O cinema brasileiro está mais vivo do que nunca.

FICHA TÉCNICA
Direção: Selton Mello
Roteiro:
Selton Mello, Marcelo Vindicatto
Elenco: Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer, Selton Mello, Vincent Cassel, Bia Arantes, Ondina Clais, Rolando Boldrin, Érika Januza, Martha Nowill
Produção: Vânia Catani, Leonardo Eddeo, Laise Nascimento
Fotografia: Walter Carvalho
Arte:
Cláudio Amaral Peixoto
Gênero:
Drama
Duração: 113 min

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

2 comentários sobre “Crítica: O Filme da Minha Vida

Comentários estão encerrado.