Crítica: The Crown (1ª temporada)

Crítica: The Crown (1ª temporada)

(…) Famosos foram os reinados de nossas rainhas. Alguns dos mais grandiosos períodos de nossa história se desenrolaram sob seus cetros. Rainha Elizabeth II, como seu homônima, rainha Elizabeth I, não passou sua infância sob qualquer expectativa pela Coroa. Esta nova era elisetabana chega numa época em que a humanidade se equilibra com incerteza à beira da catástrofe. Eu, que fui jovem durante as augustas, incontestáveis e tranquilas glórias da era vitoriana, posso sentir a emoção de invocar mais uma vez a prece e o hino. Deus salve a Rainha.” Churchill, Winston (1874-1965)

Em 4 de novembro de 2016, mais uma produção original Netflix entrou em catálogo: The Crown, uma série que retrata historicamente o reinado da Rainha Elizabeth II na Inglaterra. Com uma produção milionária, ela poderia ser apenas mais uma ao relatar a vida da realeza da Grã-Bretanha, como tantos outros filmes, como A Rainha (2006), Elizabeth – A Era de Ouro (2007), A Outra (2008), e as séries The Tudors (2007-2010) e Downton Abbey (2010-2015). Porém, a Netflix majestosamente fez uma produção impecável e se atentou aos detalhes, se importando muito com a ambientação da época (do figurino e maquiagem aos palácios e paisagens) e tendo o maior cuidado quanto à imprensa e aos artefatos tecnológicos, transformando a série com uma das melhores fotografias já vistas. Tudo isso foi muito bem pensado, para dar a sensação de como estivéssemos sendo puxados para dentro da tela e acompanhássemos tudo ao lado das realezas. The Crown também é conduzida por uma trilha magnífica feita por Hans Zimmer e Rupert Gregson-Willians, tornando cada momento mais real e intenso.

(Contém spoilers!)

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Criada e escrita por Peter Morgan (Frost/Nixon, A Rainha e O Último Rei da Escócia), a série não tem intenção alguma de criticar o governo regido por George VI ou o de Elizabeth II. Sua verdadeira intenção é a de desmistificar o dia a dia dos monarcas, sob os aspectos tanto políticos quanto familiares, onde que uma mulher, jovem, em plena Inglaterra pós-guerra, assume o trono num cargo político poderoso, num mundo altamente masculino, misógino, ríspido e implacável. A Coroa simboliza mais do que uma mulher no poder; ela expressa perda de liberdade, peso do dever, renúncia constante e austeridade. Como Shakespeare já dizia: “Pesada é a cabeça de quem usa a Coroa”.

A série se inicia com o casamento de Elizabeth Alexandra Mary com Phillip, o Duque de Edimburgo, que teve que renunciar seu antigo título de Príncipe da Grécia para se casar. A partir deste momento, conhecemos apenas Elizabeth como Princesa de Gales (interpretada por Claire Foy), uma jovem que queria ser uma boa esposa e mãe, embora soubesse que sua vida não seria para sempre assim – afinal, seu pai era o Rei e ela era a primeira da linha de sucessão depois de seu pai, que só se tornou Rei porque seu irmão, Edward VIII, abdicou o trono por amor. Edward queria se casar com Wallis Simpson, uma mulher divorciada, e a Igreja Anglicana não permitia, então sua consequência foi, além de abdicar o trono, renunciar seus títulos, posses e exilar-se do país (meio exagerado, né?). Ao contrário disso, o antigo Rei Henry VIII, quando quis se divorciar de Catarina de Aragão, foi atrás do Papa para ter a permissão alegando que ela era viúva de seu irmão, acusando-a de incesto. Uma vez negado o pedido, o Rei rompeu com a Igreja Romana, se auto declarando como Chefe da Igreja da Inglaterra fundando a Igreja Anglicana, que permite o divórcio. No entanto, o casamento pós-divórcio na Igreja é indissolúvel, e isso se tornou lei quando sua filha Elizabeth I se tornou Rainha da Grã Bretanha, pois seu pai, Henry VIII, já havia se casado cinco vezes depois de seu casamento com sua mãe, Ana Boleña.

E então, Albert Frederick Arthur George (interpretado formidavelmente por Jared Harris), irmão de Edward VIII, se tornou Rei George VI da Inglaterra e governou por 17 anos. Logo quando Elizabeth se casou, o Rei começou a introduzi-la aos poucos ao mundo do parlamentarismo, como em visitas aos países colonizados e fazendo alguns discursos participando de forma amigável aos países colonizados, representando A Coroa (sim, sabemos que a Inglaterra Imperialista não colonizou os outros países asiáticos, africanos e da Oceania de forma nem um pouco amigável, porém, é assim que a série mostra durantes os capítulos a fim de diminuir o teor preconceituoso e racista na trama, que causou certo desconforto no público porque a verdade é que eles foram extramente cruéis e opressores).

Quando Elizabeth estava em Nairobi, recebeu a informação de que o Rei havia falecido e, então, aos 21 anos, assumiu o trono se tornando a Rainha da Grã-Bretanha. Aconselhada pelo Primeiro-Ministro, o notável Winston Churchill, interpretada de maneira também notável por John Lightgow, ele a prepara para o seu reinado. E seu primeiro feito foi manter o nome da Casa Windsor, não assumindo o nome o sobrenome do marido, Mountbatten. Assim começam os problemas matrimoniais entre Elizabeth e Philip: ele, como homem, se sente oprimido, pois não pode trabalhar em sua área e não pode morar onde quer, até chegando a citar: “Eu devo ser o único homem da Inglaterra em que a esposa e os filhos não carrega o nome do pai. Que relação é a nossa? Que tipo de casamento é esse? Você me tira o meu trabalho, você tirou minha casa e agora tira o meu nome?”. Papéis invertidos, em que o homem se sente oprimido pela mulher, eram bem atípicos para época.

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Logo ela percebe que não está páreo para o trabalho e se vê com pouco conhecimento, pois sua educação desde que seu pai se tornou Rei foi apenas sobre a História da Constituição. Nas reuniões com os parlamentares, Elizabeth tinha certa limitações a alguns assuntos e descobriu que saber é poder. Procurou um tutor e começou a ter aulas. Após isso, se encontra em uma situação de fogo cruzado: sua irmã Margareth (Vanessa Kirby) quer se casar com o Capitão Real, Peter Townsend (Ben Miles), um homem divorciado. Como não é permitido casar de novo, Elizabeth se vê entre escolher o seu lado Elizabeth que vem cada vez mais sendo reprimido (pode-se perceber que nas cenas não vemos nenhuma vez sendo maternal, ao contrário de Philip, sendo sempre atencioso com os filhos – mais um motivo para provar a troca de papéis) ou seu lado Rainha que vem cada vez mais explorado e austero. Quando não permitiu o casamento, certamente, sabia que dividiu a Casa Windsor.

Dirigida alternadamente sob perfeita sincronia por Philip Martin, Benjamin Carron, Stephen Daldry e Julian Jarrold, a série fecha o ciclo em cada episódio, contando um ano do reinado desde o início – com certos flashbacks para compôr a história, mas sem deixar pontas soltas para o próximo episódio. The Crown não procura romantizar ou focar em romances das realezas, como a maioria de outros filmes e séries. Por isso, a Netflix produziu a série de forma magistral, com poucos defeitos (bem mínimos) e, infelizmente, com apenas 10 episódios.

Agora, é só aguardar a segunda temporada – que já está em andamento, para acompanhar a trajetória que fez história no mundo com um certo ar místico, e também, para desvendar muito mais sobre essa Rainha, que no ano que vem fará 65 anos de reinado na Inglaterra.

Mônica Berkovich