As Boas Maneiras: entrevista com a atriz Isabél Zuaa

As Boas Maneiras: entrevista com a atriz Isabél Zuaa

Radiante, a atriz portuguesa Isabél Zuaa marcou presença no curta Kbela (2015), de Yasmin Thayná, e no longa Joaquim (2017), de Marcelo Gomes, além de outros projetos. Agora, volta às telas como Clara, a protagonista de As Boas Maneiras, dirigido pela dupla Juliana Rojas e Marco Dutra. Conversamos com a atriz sobre a vida no Brasil, a transformação de sua personagem ao longo do filme e da experiência de atuar em meio a elementos fantasiosos.

Imagem da atriz Isabél Zuaa


Que impacto suas experiências no Brasil e as participações em Joaquim, um drama histórico, e As Boas Maneiras tiveram sobre sua visão do País, tanto como sociedade quanto cultura?

Há realidades que eu já tinha muito próximas, antes mesmo de fazer os filmes. No Joaquim, temos uma sociedade escravocrata, mas também temos essa reviravolta de uma personagem que não vem pra corroborar com estereótipos de uma mulher escravizada ou submissa. Ela cria e incute no Tiradentes essa vontade de se rebelar contra a realidade em que vive, e eu conheço mulheres assim, que despontam de suas realidades. Já em As Boas Maneiras, a Clara traz a solidão da mulher negra, que não conhece o pai ou a mãe, que tem um passado lésbico. Em muito tempo, a gente não era preterida nem pelos negros e nem pelos brancos, e ficávamos ali tentando nos relacionar. Essas realidades eu já vinha conhecendo, podem ser convenções diferentes em Portugal mas elas levam ao mesmo lugar. Há também o que é institucionalizado – já aconteceu comigo aqui no Brasil de eu chegar numa portaria e logo me direcionarem ao elevador de serviço, pois acharam que como negra eu não tinha legitimidade pra ir no social. Eu falo pros meus amigos: quando eu me sinto sozinha, eu vou numa farmácia mesmo que o segurança vai ficar me seguindo e fazemos companhia um pro outro. E fazendo personagens assim, a gente cresce artisticamente mas também humanamente.

As Boas Maneiras é um filme de lobisomem, mas a personagem que mais se transforma é a Clara. Como foi trabalhar essa transformação com os diretores e a ponte entre os personagens da Marjorie e do Miguel, que são mãe e filho?

São duas fases realmente distintas que os diretores e eu ensaiamos bastante, mas foi um trabalho realmente intuitivo. Os diretores sabiam que história iam contar e eu fui trabalhando com a minha intuição, pois a Clara é uma personagem mais misteriosa. Na primeira parte, houve um rigor maior e eu sabia até quantos passos eu ia dar; na segunda parte, era bem mais descontraída nesse sentido de interpretação. Ela realmente se transforma e às vezes eu brinco que ela era a ‘louca da quermesse’. Quanto à afetividade com os dois, eu não sou mãe mas conheço pais que querem que os filhos sejam moldados de acordo com o lugar onde moram ou a escola onde estudam. O Miguel só esteve com a Marjorie uma vez, e era bem como no filme: sabia que teve uma mãe biológica, mas nunca esteve com ela. E foi muito boa essa relação com o Miguel, eu acabava sendo mãe dele dentro e fora de cena.

É um dos seus primeiros filmes de gênero e também sua primeira experiência com grandes efeitos digitais. Como foi atuar em meio a tantos elementos fantasiosos?

Foi maravilhoso. Todo objeto artístico é uma convenção, e eu faço muito teatro. Trabalho sem cenário, faço monólogos, até desenho uma árvore com o meu corpo, então eu tinha todos os elementos pra fazer um bom trabalho. Trabalhei com dois ferrinhos e chorar imaginando que aquilo são os olhos do Joel, realmente acreditando que eu tenho que dar amor e proteção àquela criança. É possível a gente acreditar piamente naquela convenção, por que se não acreditar, acabou. E eu acreditei desde o começo – foi um processo de entender aquilo. Foi uma experiência muito boa e eu tive a oportunidade de trabalhar com bons profissionais, e isso faz toda a diferença. Eles faziam a parte deles e eu fazia a minha.

E qual é a sensação de ver o resultado final nas telas?

Eu fico bastante emocionada quando vejo o filme. Apesar de conhecer as cenas e achar que não vou me emocionar, acabo sempre me emocionando. Antes de ver o filme em Locarno, eu e a Marjorie assistimos o filme em um link para chegarmos mais seguras para as entrevistas. Depois fomos à exibição e, quando terminou, a gente tava chorando e não conseguíamos levantar, muito tocadas pelo filme. O Marco e a Ju são pessoas muito sensíveis e sabiam desde o início o que queriam fazer. Foi muito emocionante ver o filme e muito emocionante ver a repercussão dele com o público.


As Boas Maneiras estreou hoje nos cinemas e está em exibição na mostra “Lobisomens no IMS”, que também traz em sua programação os filmes Trabalhar Cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra, e Na Companhia dos Lobos, do diretor Neil Jordan. A mostra vai de hoje (7) até domingo (10) no IMS Paulista.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.