Crítica: Cemitério Maldito

Crítica: Cemitério Maldito

Trash em roupagem comportada

Transformado em hit dos Ramones e considerado uma das referências do chamado “cinema trash”, Cemitério Maldito é daqueles clássicos do escritor Stephen King que ganharam seu lugar no panteão da cultura pop.

A história sobre o solo (nada sagrado) capaz de ressuscitar pessoas e animais é um convite não apenas para aplicar sustos na plateia, mas também para discutir questões de vida e morte. A dupla Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, diretores do remake, sabe disso e procura equilibrar todos esses elementos numa obra que lida com as dores da perda e da culpa, sem deixar de ser um entretenimento assustador.

O novo Cemitério Maldito começa com a família Creed se alojando em sua nova casa, num lugar remoto do interior, cercado por uma densa vegetação. Logo fica claro que o patriarca, o médico Louis (Jason Clarke), é um sujeito cético, algo que não demorará muito a ser testado. Sua esposa, Rachel (Amy Seimetz), tem um passado familiar traumático que nunca fica totalmente claro, enquanto as crianças Ellie (Jeté Laurence) e Gage (Hugo Lavoie) são a inocência e fofura personificadas.

Antes mesmo de qualquer zumbi aparecer, há outro tipo de vilão na história. São os caminhões, que passam zunindo na estrada em frente à casa dos Creed, e indicam que podem atropelar quem apareça no caminho. Crianças vestidas com máscaras bizarras numa estranha procissão e um cemitério de animais no quintal dos fundos completam o cenário insólito onde a ação se concentra.

Distante do “gore” da primeira adaptação cinematográfica do livro, Kölsch e Widmyer buscam uma sintonia com obras contemporâneas, como o recente IT – A Coisa e a série A Maldição da Residência Hill, nas quais os dramas dos personagens ganham peso maior do que a quantidade de sangue derramado em cena. Porém, o filme não cumpre totalmente este objetivo, uma vez que o único indivíduo com alguma tridimensionalidade é Louis. Até mesmo o vizinho Jud (John Litgow) é apresentado como apenas uma ferramenta para fazer o roteiro andar.

Ainda assim, é possível se sensibilizar com as atitudes do protagonista o suficiente para embarcar na trama. Afinal, quem pode garantir que não tomaria a mesma atitude que ele toma, frente à tragédia terrível e com uma solução aparentemente viável diante de si?

Indo um pouco mais além, podemos até mesmo chegar a uma leitura mais metafórica de Cemitério Maldito, buscando a atualidade de seu mote num mundo cada vez mais disposto a reviver passados enterrados, mesmo ciente de que aquilo que volta é apenas uma versão distorcida e perturbada do que foi um dia. Não deixa de ser irônico, no entanto, que o remake de 2019 se prove mais comportado do que o longa de trinta anos atrás.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil