Crítica: Disque Amiga Para Matar (1ª Temporada)

Crítica: Disque Amiga Para Matar (1ª Temporada)

Quem tem amiga tem tudo?

Crítica Disque Amiga Para Matar

Apenas alguns meses depois de lançar uma série sobre o luto (a britânica After Life, criada por Ricky Gervais), a Netflix volta a circundar o tema em Disque Amiga Para Matar, título nacional de gosto duvidoso para o nome original Dead to Me. Em sua primeira temporada, a atração estrelada por Christina Applegate e Linda Cardellini mistura comédia, drama e suspense numa trama marcada por altos e baixos, mas com reviravoltas suficientes para nunca se tornar maçante.

Tudo começa quando as protagonistas se encontram num grupo de apoio para quem sofreu a perda recente de um ente querido. Jen Harding (Applegate) tenta se recuperar da morte do marido, atropelado três meses antes por alguém que fugiu da cena do crime e ainda não foi encontrado pela polícia. A atenciosa Judy Hale (Cardellini) a aborda durante o café, e logo ambas se tornam amigas.

A aproximação das duas acontece rapidamente. Deixada sozinha cuidando de dois filhos, Jen sente falta de outra pessoa adulta com quem possa desabafar no fim do dia e a sempre solícita Judy parece ser a companheira ideal. Tanto que logo no primeiro episódio elas já passam a morar juntas. Porém, um segredo revelado na última cena do capítulo inicial, mostra que a harmonia pode não durar muito tempo.

Até a metade da temporada, Disque Amiga Para Matar transita de forma mais fluida entre o cômico e o trágico, com a união das personagens principais se fortalecendo enquanto ambas vão juntando os cacos de acontecimentos recentes que bagunçaram suas vidas. Ao mesmo tempo, o roteiro vai desconstruindo de tal forma a personalidade do marido morto – inicialmente apresentado como a imagem idealizada do pai de família responsável e presente – que sua partida se torna um pouco menos lamentável a partir do quarto episódio. É uma solução que atenua o peso da tragédia e deixa o enredo um pouco mais superficial dramaticamente.

Mesmo subtramas que prometiam ser aprofundadas, como o impacto da perda no cotidiano dos filhos (um deles começa a traficar remédios no colégio, outro tem um surto de raiva durante uma apresentação musical) ficam pelo caminho, à medida que a série vai abraçando a investigação de Jen para encontrar quem é responsável pelo atropelamento que vitimou o marido.

Crítica Disque Amiga Para Matar

A partir desse ponto, o luto fica em segundo plano e o tema principal de Disque Amiga Para Matar passa a ser a culpa, outro ponto em comum entre as protagonistas, embora por motivos diferentes. O único que parece ter a consciência tranquila é justamente a figura que a série pinta como o mais detestável de todos, Steve Wood (James Mardsen), o manipulador ex-namorado de Judy. É um recado da criadora Liz Feldman aos homens que passam a vida chamando as mulheres com quem convivem de “loucas” e/ou “descontroladas”, mas são incapazes de olhar para os próprios defeitos.

A pinta de galã de quermesse característica de Mardsen faz do ator uma escolha bastante acertada para o papel, mas o show é mesmo de Christina Applegate e Linda Cardellini. Os dez episódios de duração dão a elas a oportunidade de explorarem diversas camadas de suas personagens.

Applegate (que despontou na TV como a filha adolescente da sitcom Um Amor de Família) injeta em sua viúva, vestida de preto em quase todas as cenas e adepta de ouvir heavy metal no carro para relaxar, uma dose extra de sarcasmo para disfarçar a melancolia, que quando aparece pega o espectador desarmado e a torna mais humana.

Já Cardellini vai além da excentricidade para interpretar uma mulher com tendências de stalker e fragilizada emocionalmente, sem ficar refém destes adjetivos. Judy é uma personagem difícil, mas pequenos detalhes, como a forma decidida que fala “tudo bem” a cada vez que Steve pede desculpas por subir o tom durante uma discussão ou a relação carinhosa com Abe (Edward Asner), senhor que vive no asilo onde trabalha, a tornam palatável e tridimensional. Sua personalidade ainda é simbolizada de forma imagética nas figuras que pinta de pessoas com buracos em forma de coração no meio do corpo, representando o próprio vazio que sente.

Numa série que, a exemplo de After Life, refuta o espiritual ou religioso como forma de lidar com a morte, vale pela lembrança de que uma amizade genuína ainda é a forma mais potente de superar um momento difícil. Ainda que ela surja nas circunstâncias mais bizarras.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil