Crítica: Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Crítica: Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Sobre ciclos e perspectivas

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Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é um filme complexo sob diversos aspectos. A obra, codirigida por João Salaviza e Renée Nader Messora, é uma ficção, mas tem elementos estéticos e narrativos de um documentário. Ao mesmo tempo, traz uma série de questionamentos relativos ao modo de produção indígena e ao estilo de vida comum a centros urbanos – um exemplo é quão equivocados estamos por julgarmos que somos intelectual e socialmente superiores a povos indígenas.

Na trama, Ihjãc (Henrique Ihjãc Krahô), jovem índio do povo Krahô, que habita a região de Pedra Branca (TO), afasta-se de sua tribo, inclusive de sua esposa, Kôtô (Raene Kôtô Krahô), e de seu filho, para fugir de seu destino dentro do contexto social em que está inserido. Para tanto, ele parte rumo à área urbana e se abrigou em um centro de atendimento médico à população indígena – lá, ele considera estar seguro e fora do alcance de um espírito que o amedronta. Em meio a esse dilema especial, ele acaba fugindo até mesmo da preparação do ritual para libertar o espírito de seu pai, morto alguns meses antes – e para libertar a si próprio do luto.

Além de lidar com a série de questões pessoais, Ihjãc ainda precisa encarar o choque de realidade que encontra na “cidade grande”: enquanto tenta se adaptar à nova realidade, ainda que momentânea, ele encontra uma série de dificuldades representadas por funcionários do centro médico onde está abrigado – e internado – momentaneamente. Neste caso, trata-se de uma questão de perspectiva: enquanto o veem como um índio hipocondríaco que deve ser enviado de volta à sua terra, por supostamente estar fisicamente bem, ele parece lutar contra o próprio destino e descobrir qual é, de fato, o seu lugar no mundo.

Outro ponto a ser destacado na obra é a escolha imagética: enquanto o argumento principal remete a uma obra de ficção, o que é evidenciado pela dinâmica dos diálogos de Ihjãc com a população da área urbana, o modo como os costumes e os rituais da tribo dele são retratados têm linguagem análoga à de um documentário.

Deste modo, pode-se dizer que a escolha estética do filme faz o espectador contemplar o seu lugar de fala, ou seja, de alguém cujo papel é assistir e entender um contexto ao qual está alheio e, desse modo, compreendê-lo a partir da perspectiva de quem o vivencia – em vez do “homem branco” recorrer a estereótipos para retratar o cotidiano de tribos indígenas, os protagonistas têm o poder de contar a própria história.

Em paralelo, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos coloca em perspectiva a maneira como lidamos com a morte e como eles o fazem. Esse aspecto evidencia que, nesta questão e em muitos outros tópicos, não há o modo de produção certo ou errado. Vale ressaltar que o filme é um convite à reflexão sobre a importância de respeitar diferenças culturais e étnicas, ainda mais por vivermos em um contexto sociopolítico no qual presenciamos o início de uma cruzada contra tudo o que foge do paradigma etnocêntrico e conservador.

Amauri Eugênio Jr

Jornalista. Cinéfilo, crítico cultural wannabe e interessado por assuntos relativos a esportes, direitos humanos e minorias. Foi redator de cinema do Yahoo por um ano.