Crítica: Entardecer

Crítica: Entardecer

Coisas belas e sujas

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Depois de ganhar o Oscar de filme estrangeiro logo com o longa de estreia, O Filho de Saul, o cineasta húngaro László Nemes volta a tocar em questões familiares em Entardecer, seu segundo filme. Se antes a trama se passava num campo de concentração durante a 2ª Guerra, aqui Nemes volta um pouco mais no tempo, para a Budapeste do começo do século XX.

É na capital vibrante do então chamado Império Austro-Húngaro que acompanhamos o périplo de Írisz Leiter (Juli Jakab), jovem afastada da cidade ainda quando criança e disposta retornar para trabalhar na famosa e luxuosa fábrica de chapéus criada por seus pais, falecidos há alguns anos num misterioso incêndio. Sua volta é vista com preocupação pelo atual dono da empresa, o Sr. Brill (Vlad Ivanov), e com desconfiança pelas demais funcionárias.

A situação cresce em mistério quando Írisz descobre ter um irmão, foragido após ser acusado de matar um poderoso conde. Se O Filho de Saul era a história de um homem à procura de um lugar para enterrar sua suposta criança, Entardecer é a saga da protagonista tentando entender o que realmente aconteceu com seus parentes, numa investigação que leva pela subterrâneo da elite da época, em caminhos que levam aos piores lados do patriarcado e até uma conspiração de tráfico humano.

“O horror do mundo se esconde debaixo das coisas mais belas”, diz um dos personagens que passam pela jovem. Entardecer tem uma luz dourada como o céu do crepúsculo sugere, cenário e figurino deslumbrantes, mas é um filme bastante violento. O apurado desenho de som, que destaca muito do que acontece no entorno da ação, mas não está na tela em si, é fundamental nessa imersão.

Mais uma vez Nemes mantém a câmera quase como uma extensão da heroína. Há muitos enquadramentos que seguem a personagem sobre seus ombros, e o enredo vai se desenrolando no mesmo ritmo em que suas descobertas acontecem. Isso resulta em alguns momentos de confusão para o espectador, tamanha a quantidade de pessoas que cruzam sua trajetória. Para complicar, boa parte delas tem o costume de, na hora de revelar alguma informação importante, ser interrompida e deixar a frase pela metade, um recurso que causa agonia e certa exaustão.

Por falar em exaustão, chama a atenção o fôlego de Írisz. Ela é ameaçada, arrastada, abusada, enclausurada, mas não abandona sua missão. Falar de gente que não desiste fácil diante dos maiores desastres parece ser a especialidade do cineasta.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil