Crítica: O Doutor da Felicidade

Crítica: O Doutor da Felicidade

Omar Sy brilha em comédia francesa leve como uma boa novela das seis

Imagem do filme 'O Doutor da Felicidade'

Numa pequena cidade do interior nos anos 50, um médico boa-praça e sedutor que esconde segredos do passado muda a vida da população local, formada por senhoras fofoqueiras, homens inseguros e um padre tomado pela inveja. A sinopse folhetinesca poderia ser a trama da próxima novela das seis a ser exibida na TV Globo, mas trata-se de O Doutor da Felicidade, longa-metragem francês lançado diretamente nas plataformas de streaming, sem ter sido exibido anteriormente nos cinemas brasileiros.

Omar Sy (de Intocáveis) faz o protagonista, Dr. Knock. Logo de cara somos apresentados à suas principais características: ele é malandro a ponto de posar como responsável pela saúde em um cruzeiro, mesmo sem nunca ter chegado perto de exercer a profissão, mas também dedicado o suficiente para reconhecer que aquela é sua verdadeira vocação, e estudar com afinco até poder clinicar de forma oficial.

Sua chance chega ao conseguir a vaga de médico do vilarejo de Saint-Maurice. Ao assumir o consultório dali, Knock coloca em prática um plano para que a medicina seja, antes de mais nada, um negócio lucrativo. Ele percebe que pode faturar mais se convencer os pacientes, ou melhor, “clientes” – como gosta de chamar – a voltarem frequentemente. Pode ainda enriquecer o dono da farmácia por tabela, receitando remédios a todos. Assim, O Doutor da Felicidade é também uma aula básica de como funciona a lógica capitalista, aplicada naquele cenário.

Mesmo que a diretora e roteirista Lorraine Lévy, adaptando a peça teatral escrita por Jules Romains, não tenha a crítica social como principal foco do filme, tal leitura se faz possível. No entanto, há pouco conflito em relação a isso na cabeça do protagonista, e quase nenhum dos outros personagens o questiona. Todos estão felizes em tê-lo por perto, não importa se precisam gastar mais dinheiro com isso. Aliás, este impacto financeiro nos cidadãos comuns sequer é abordado.

A jornada do Dr. Knock é relativamente tranquila, e mesmo os percalços representados pela volta de uma figura do passado e os contratempos de um relacionamento amoroso são desenvolvidos apressadamente, como para não contaminar com drama excessivo uma história de assumido viés bem-humorado.

A intenção clara de Levy é fazer uma comédia de costumes de tom leves, ajudada pelo cenário luminoso do verão no interior francês, reconstituído em detalhes pela competente direção de arte e figurinos, e o talento de Sy. A performance de trejeitos clownescos e o sorriso do tamanho do mundo remetem a seu desempenho em Chocolate, outro longa que se valeu da capacidade do ator em conquistar o coração do público para dar certo. Assim, mesmo que algumas atitudes do personagem sejam questionáveis, é impossível não se deixar levar.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil