Crítica: Félicité
Este filme faz parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Félicité tem seu início com uma cena de impacto visual e sonoro. Estamos imersos em um bar de Kinshasa, Congo, no qual cacofonia das conversas e o crescendo da música se misturam. É aí que somos apresentados à personagem título (Véro Tshanda Mputu), cujo canto enfeitiça qualquer um ali. A câmera sempre próxima dos rostos e instrumentos acaba gerando um calor humano que é difícil de evocar.
O longa de Alain Gomis, nascido na França de pais senegaleses, levou o Grande Prêmio do Júri no último Festival de Berlim. A assinatura do diretor é, de fato, forte, o que não quer dizer que Félicité é uma obra perfeita. Próxima da perfeição, mesmo, é a atriz estreante Mputu, que prende com seu olhar e conquista com sua voz. Seu parceiro de muitas cenas, Papi Mpaka, no papel do bem-intencionado (porém quase sempre bêbado) Tabu, também esbanja talento, criando um sujeito imperfeito que tem, acima de tudo, o coração no lugar certo.
O enredo começa a mil. Félicité descobre que seu filho adolescente (Gaetan Claudia) sofreu um acidente e necessita de uma operação, que lhe custará uma grana exponencial. Quase como um Dois Dias, Uma Noite com mais tons sombrios, seguimos a busca de Félicité por ajuda, encontrando esperança (com o próprio Tabu, que angaria trocados com clientes no bar) e desesperança (como quando invade a casa de um criminoso rico, ao qual implora e é humilhada violentamente). O problema é que essa busca toda dura apenas pelo primeiro ato, dando lugar a uma narrativa mais letárgica e até um tanto incerta do que quer ser.
Gomis tenta incorporar elementos oníricos na trama, assim como pequenas cenas com uma orquestra (a faixa Fratres, do estônio Arvo Pärt, foi usada tantas vezes em outros filmes que aqui já soa menos poderosa), trechos que acabam como óleo em água quando justapostos com a narrativa principal. Talvez seja da intenção do próprio diretor que predomine uma sensação de monotonia, refletindo a vida limitada de sua protagonista. Mas o comprometimento com o filme é prejudicado pela duração, que passa das duas horas, gerando ansiedade no público.
Na própria sessão em que conferi Félicité, a inquietação era aparente durante sua meia-hora final. De um lado, um moço que batucava na cadeira em ritmos variáveis; de outro, uma moça roía todas as unhas (da mão, é claro) de maneira compulsiva. É uma pena, pois as cenas derradeiras de Félicité contam com uma quieta ternura que quase faz valer a espera.
Caso Gomis enxugasse sua história para a marca dos 100 ou 90 minutos, acredito que Félicité conseguiria preservar a energia crua que torna, pelo menos sua primeira metade, em uma experiência cativante. Pelo menos, temos a honra de passar todo esse tempo com a ilustre companhia de Mputu e Mpaka, revelações para o cinema mundial.
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