Crítica: Lucky

Crítica: Lucky

Este filme faz parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Ungatz. Nada. É o que discutem os personagens de Harry Dean Stanton e John Darren em certo momento do filme Lucky, estreia na direção do ator John Carroll Lynch e o adeus cinematográfico de Stanton, falecido ainda no mês passado. Sucesso no festival SXSW, em Austin, o longa está longe de ser um ungatz, e ainda conta com atores de peso como Tom Skerrit, Barry Shabaka Henley, Beth Grant e até mesmo David Lynch.

No entanto, Lucky é realmente sobre o personagem título que Harry Dean Stanton encarna tão bem. Aos 90 anos de idade, o ex-marinheiro vive uma vida pacata em uma pequena cidade no Texas. Todo dia, a mesma rotina de ir à lanchonete, comprar leite no mercado, preencher palavras cruzadas com seu game show favorito de fundo e, para fechar, visitar seus amigos no bar. Até que em certa manhã, Lucky desmaia inesperadamente. É aí que descobre, em um dos momentos mais engraçados do filme (com participação de Ed Begley Jr.), que está apenas muito velho.

Trata-se de uma jornada introspectiva na qual Lucky confronta a mortalidade e as reflexões que ela provoca em seus dias. Evitando qualquer fatalismo, o roteiro assinado por Logan Sparks e Drago Sumonja está repleto de diálogos ricos em significado. Os momentos no bar são, por exemplo, pura filosofia de boteco, o que não quer dizer que não sejam cheios de verdade. Essa maneira despretensiosa de retratar a natureza inquisitiva do elenco dá a Lucky uma alma, mesmo que o homônimo não acredite em uma “tamanha baboseira” dessas. Quem nunca tentou entender toda sua experiência de vida após alguns drinks?

O roteiro também apresenta uma boa construção de subtramas, dando dimensão a cada um dos conterrâneos de Lucky. O destaque fica para a angústia de Howard, personagem de David Lynch, quanto à aparente fuga de seu jabuti, que segundo ele, é algo maior que qualquer ser humano, não só por viver até 200 anos como em toda sua vida ter que carregar o próprio caixão. Outro momento chave conta com Tom Skerrit no papel de outro veterano de guerra, que lutou em solo japonês e testemunhou a incomum reação de uma garotinha nativa à morte iminente. Há ainda diversas outras constatações de outros membros do elenco, cada uma guardando uma conexão específica com o tema central da mortalidade.

A condução segura de John Carroll Lynch então comprova que o ator, que assim como Stanton se encaixa na categoria do “character actor”, tem grande noção de linguagem cinematográfica, experiência que certamente adquiriu ao longo de quase 25 anos de carreira em frente às câmeras. Carroll Lynch pode não ter estreado na direção enquanto jovem, mas se Lucky indica algo, é que este é apenas o começo de uma promissora voz artística.

Lucky ainda é, principalmente, o show de Harry Dean Stanton, que demonstra em seu último papel boa disposição física e flexibilidade dramática, inclusive ganhando o coração de qualquer um ao cantar, com ótima pronúncia em espanhol, a linda Volver Volver em meio a uma festa infantil. O renomado ator parece reconhecer, assim como o personagem, que chegou a um ponto da vida que muitos raramente alcançam. Sortudo? Talvez. Então por que não fazer uma celebração a toda essa vivência, enquanto há tempo?


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Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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