Crítica: O Motorista de Táxi
Este filme fez parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo. Texto originalmente publicado em 19 de Outubro de 2017.
Iniciar um filme com o letreiro de “Baseado em Fatos” pode muito bem prejudicar sua veracidade. O Motorista de Táxi, indicado da Coreia do Sul ao Oscar, começa como pastiche, transforma-se em drama e culmina em thriller de ação. Há situações artificiais: o vilão, no último segundo, é impedido de matar o mocinho; o clímax vem na forma de uma cena de ação automobilística, acompanhada por frases de efeito e uma trilha épica. Poderia ter sido um desastre. Sorte que não há ninguém melhor que os sul-coreanos em fazer uma mistureba dessas funcionar.
O longa, apesar de alegar a validade dos fatos, é uma história especulativa do que se deu entre o momento que o taxista malandro Kim (Song Kang-ho) decide, por dinheiro, levar um jornalista alemão para a tumultuada região de Gwangju, palco de protestos populares violentamente reprimidos por uma força militar conservadora, que deseja reinstaurar a ditadura no país. A princípio, Kim está ignorante da situação, sendo também mantido no escuro por seu passageiro Hinzpeter (Thomas Kretschmann). A jornada, então, é um despertar para o taxista, que ainda tem uma filha única com a qual busca maior intimidade.
De início, as interações entre Kim e Hinzpeter são fonte de risadas, deixando o público à vontade, apenas para introduzir alguns relances do horror que os aguarda em Gwangju. Essa mudança gradual de tom é conduzida com segurança pelo diretor Hun Jang, cuja experiência prévia é com thrillers de ação. E é no suspense que Jang encontra sua zona de conforto, criando momentos de tensão bastante eficientes. A maior surpresa, porém, fica com a tamanha força dos momentos dramáticos, culminando em um ato final bastante comovente (algo que é ajudado imensamente pela música de Cho Young-wuk).
O ingrediente principal, como sempre, é o talento inigualável de Kang-ho, um dos melhores atores do cinema contemporâneo. O sujeito é tão maleável que por um grande momento, esqueci que se tratava do mesmo em A Era da Escuridão. Apesar das semelhanças de seus arcos dramáticos neste e O Motorista de Táxi, Kang-ho é um verdadeiro camaleão, com poder imensurável de cativar e emocionar o público.
Thomas Kretschmann, por sua vez, faz um bom trabalho com o material que tem: como costuma ser o problema em filmes cuja língua natural não é o inglês, seus diálogos são um tanto mecânicos em comparação com o resto das interações entre o elenco majoritariamente coreano. Ainda assim, o ator alemão prova ser capaz de ir além de seu típico papel de vilão em filmes B.
Infelizmente, há dois principais problemas: a artificialidade já mencionada e também a imponente duração, que beira a marca das 2 horas e 20 minutos. O primeiro acaba por gerar estranhamento, em especial na cena de ação completamente hollywoodiana, que vem logo após uma sucessão de momentos sinceros e poderosos. O segundo já pode variar do espectador, mas fica a sensação de que, até pela clara liberdade criativa tomada em cima dos fatos, cenas poderiam ser facilmente cortadas com o propósito de gerar concisão e preservar a tensão do enredo.
Contudo, se O Motorista de Táxi apela para artifícios cinematográficos batidos, seu coração está no melhor dos lugares. Trata-se, acima de tudo, de uma homenagem a um herói até hoje desconhecido pelo povo coreano, tendo sido procurado, sem sucesso, pelo real Hinzpeter ao longo de décadas. Talvez seus feitos sejam tudo o que precisamos saber: qualquer um pode lutar pela mudança.
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