Crítica: A Trama
A Trama, de Laurent Cantet, é um preciso filme de encerramento para esta 41ª Mostra de São Paulo
*Este filme faz parte da programação oficial da 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Até hoje, após o término da Mostra, me vejo ruminando a frase dita por Claudiney Ferreira na coletiva de abertura: cinema é sedução. O jornalista questionou como o cinema poderia voltar a seduzir o grande público, visto como algo mais do que um mero entretenimento. Esta edição da Mostra, então, não poderia contar com um melhor filme de encerramento que A Trama, do francês Laurent Cantet.
Certos filmes demandam que, qualquer que seja sua posição política nos dias de hoje, o espectador a deixe na porta do cinema. A Trama é um destes filmes, que não traz respostas fáceis para nenhuma das questões abordadas em seu roteiro. Com um recorte de suspense, o drama retrata o cotidiano de um grupo multiétnico de jovens que participa de uma oficina de escrita com uma renomada autora de romances policiais. Como primeira surpresa, o longa então começa a focar na vida privada de um dos jovens, Antoine, branco, intolerante, até mesmo agressivo.
Caso se permita a entender o raciocínio do longa, o espectador encontrará, se não um bom filme, uma discussão necessária sobre a falta de diálogo: entre adultos e jovens, direita e esquerda, educador e aluno, etc. É principalmente sobre o mistério que é a mente de um jovem que, acima de tudo, sente-se marginalizado, excluído, ainda que se classifique entre a maioria. Antoine é furiosamente criativo, mas essa fúria também o impede de ser melhor compreendido pelos colegas e professora. Do outro lado, a escritora, bem-intencionada, acaba por confundir interesse e condescendência, com o propósito de entender melhor a mentalidade de Antoine. Não há heróis, nem vilões, mas há uma perigosa bifurcação ideológica sendo construída.
Se não há melhor filme para encerrar a Mostra, então não há melhor pessoa para dirigi-lo que Laurent Cantet. Eternizado por seu belíssimo ganhador da Palma de Ouro Entre os Muros da Escola, revelador como poucos filmes sobre educação conseguem ser, Cantet e o co-roteirista Robin Campillo (ganhador do prêmio do júri em Cannes com sua estreia na direção Batimentos por Minuto) fazem milagre e criam um enredo extremamente envolvente que se segura por quase duas horas apenas com a força dos diálogos. Alguns podem até lembrar de Mentes Perigosas, com Michelle Pfeiffer, mas A Trama surpreende em sua profundidade psicológica. Certos momentos podem até exigir uma leve suspensão de descrença, prejudicando o tom do filme, mas não são o bastante para minar seu impacto como um todo.
O elenco brilha. Os outros colegas poderiam contar com um desenvolvimento mais aprofundado, mas seus intérpretes convencem. Marina Foïs e Mathieu Lucci estão soberbos no papel de professora e aluno, respectivamente. Sozinhos se seguram, mas juntos, hipnotizam na entrega acertada de suas tensas conversações, deixando palpável a inquietação interna de cada um quanto ao impasse constante que vivem. São momentos de força bruta, que culminam, surpreendentemente, em constatações delicadas e amadurecidas.
A Trama, que começa com um inusitado gameplay do aclamado Witcher 3, consegue até mesmo dar um significado a algo tão casual, que é resgatado em um de seus momentos finais. O drama de Laurent Cantet nunca zomba de seus jovens, independente de seus interesses ou suas ideias, absurdas ou não. O filme pode encontrar dificuldades para ressoar com um ou outro membros do público, mas é com essa atitude de não querer agradar a todos que se fomenta uma discussão necessária. E a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo é mágica justamente por isso: por conseguir nos remover de nossas zonas de conforto.
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