42ª Mostra – Crítica: Julia e a Raposa
Um conto melancólico de mãe e filha
Logo nas primeiras cenas de Julia e a Raposa, filme escrito e dirigido por Inés Maria Barrionuevo, mãe e filha chegam a uma casa fechada há muito tempo, empoeirada, suja e com itens roubados por invasores que estiveram por ali. O cenário é sombrio, e parece o reflexo de sua protagonista, interpretada por Umbra Colombo, mulher tomada pela melancolia, ainda em luto pela perda do marido.
O estado de espírito de Julia contrasta com a vivacidade da filha de doze anos, Emma (Victoria Castelo Azurbialde). Esperta e cheia de energia, ela começa a dar os primeiros passos rumo à independência, fazendo passeios por conta própria e aprendendo a se virar na cozinha, por exemplo. O tratamento frio que lhe é dispensado pela mãe não lhe deixa outra opção. Enquanto uma parece estar se entregando, outra floresce, numa espécie de passagem de bastão.
A cineasta vai revelando aos poucos mais alguns detalhes sobre sua personagem-título, que traz o cabelo platinado e o cigarro sempre em punho típicos de uma femme fatale do cinema noir. A apatia que toma conta de Julia ameaça ser quebrada quando ela, uma atriz afastada dos palcos, recebe convite para voltar a atuar, numa peça dirigida pelo velho amigo Gaspar (Pablo Limarzi).
Embora, na frente dos outros, Julia mantenha um rosto impassível, é perceptível que se trata de uma personagem tomada por conflitos internos, ainda que os motivos para isto nunca sejam totalmente esclarecidos no filme. Há cenas da mulher tentando como pode fazer voltar a correr o sangue em suas veias, seja se masturbando, numa noite de bebedeiras, experimentando drogas ou dançando sozinha, quando seu corpo esguio preenche a tela sacudindo-se e formando uma imagem forte, pulsante.
A aura de mistério em torno de Julia e a Raposa atrai o espectador e, ao mesmo tempo, o mantém a uma certa distância. Sua conclusão, aberta e poética sem deixar de ser um tanto quanto cruel com alguns dos personagens atesta isso.