42ª Mostra – Crítica: Mochila de Chumbo

42ª Mostra – Crítica: Mochila de Chumbo

A perda da inocência

critica Mochila de Chumbo

Se uma arma aparece no primeiro ato, ela deve ser disparada até o final do terceiro. O princípio narrativo básico cunhado pelo dramaturgo russo Anton Chekhov vem diretamente à cabeça nas primeiras cenas do argentino Mochila de Chumbo, drama dirigido por Darío Mascambroni que tem como protagonista o garoto Tomás (Facundo Underwood).

Para quê serve o revólver que este menino arranja com o melhor amigo e guarda na mala? A angústia sugerida pela situação garante um clima tenso que permanece ali por boa parte do tempo. Aos poucos, vamos descobrindo que Tomás tem problemas na escola, uma mãe ausente e que seu pai fora assassinado. Ele não se sente bem-vindo em nenhum lugar, como mostra a cena na qual bate à porta da tia e causa apenas constrangimento. A mochila que carrega sobre os ombros é uma figura de linguagem para o peso de suas aflições.

A fotografia escurecida deixa a atmosfera mais pesada. Vagando pelo bairro pobre onde vive, o protagonista procura respostas e parece disposto a assumir o papel de homem da casa, demonstrando desprezo total pelo novo namorado da mãe. Sua postura quase sempre séria contrasta com suas feições, ainda infantis.

Em um dado momento do filme, Tomás veste uma velha camisa de futebol que acredita ter sido usada pelo pai. Mais adiante, ele descobre que não é exatamente aquela a camisa antiga dele, na mesma hora em que entende que as respostas para suas questões são mais complexas do que poderia supor.

Mochila de Chumbo termina de forma anti-climática, como se estivesse ainda no meio e com ainda lenha para queimar. Isto acaba tirando um pouco da força do longa, que teve passagem pela seção Generation do último Festival de Berlim. Mesmo assim, mostra o talento de Mascambroni, que está apenas em seu segundo trabalho.

Utilizando um tom mais naturalista e árido do que aquela melancolia temperada com doses de humor típicas do cinema argentino que normalmente chega ao cinema comercial, o filme é oportunidade de conhecer outro estilo de registro portenho.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil