43ª Mostra – Crítica: Lara

43ª Mostra – Crítica: Lara

A vida num dia

Lara

No dia em que completa sessenta anos, Lara (Corinna Harfouch) acorda contemplando a ideia de se matar. É interrompida pela polícia, que está em seu prédio por conta de um problema no apartamento vizinho, e a partir daí começa de fato a trama do longa alemão, um estudo de personagem dirigido por Jan Ole Gerster. O roteiro, escrito por Blaz Kutin, é um exemplo de constrição: basta acompanharmos esse dia específico na vida da protagonista para entender tudo sobre ela.

As informações chegam aos poucos. Descobrimos que o filho de Lara é um pianista importante, prestes a fazer uma apresentação num luxuoso teatro da cidade. Nossa (anti-)heroína compra os poucos ingressos restantes e passa a distribuir entre pessoas que conhece. Não sabemos se a atitude vem de um orgulho materno ou da vontade de proteger o rapaz de se apresentar diante de eventuais cadeiras vazias. Talvez nem ela própria saiba o que está por trás de suas motivações, o que a torna uma figura complexa e magnética.

O que não quer dizer que Lara seja uma mulher particularmente admirável, pelo menos na maior parte do tempo. Rígida e de postura arrogante, é daquelas pessoas que não fazem questão de serem simpáticas ou terem uma palavra de encorajamento na ponta da língua, o que tem o efeito de deixar uma pulga atrás da orelha do interlocutor. “E se ela for a única pessoa que tem a coragem de falar que eu não sou bom o suficiente?”, reflete o filho, após ouvir uma de suas críticas.

O filme nunca julga sua personagem, e dá espaço para um tom de ironia. Gerster acompanha a ótima atuação de Corinna Harfouch à meia-distância, observando a protagonista indo e vindo por diversos ambientes, sem nunca se sentir completamente à vontade. Presa na pose de um sobretudo vermelho quase o tempo inteiro, Lara só vai encontrar algum tipo de libertação no desfecho, catártico e visceral.

Quando sobem os créditos, a reflexão que fica é tentar desvendar o que nos faz desistir de um sonho ou seguir em frente com ele. E até que ponto uma frustração do passado pode definir o rumo e as relações de uma vida inteira.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil