43ª Mostra – Crítica: Pacificado

43ª Mostra – Crítica: Pacificado

A paz que se quer conservar para tentar ser feliz

Pacificado

O diretor Paxton Winters nasceu nos Estados Unidos, morou por 18 anos na Turquia e depois se instalou no Rio de Janeiro. Depois de três anos morando no Morro dos Prazeres decidiu escrever uma história sobre o local. O resultado é Pacificado, premiado como melhor filme na edição 2019 do tradicional festival de San Sebástian, na Espanha, e que entra para a lista de mais uma produção audiovisual sobre a periferia brasileira.

Depois dos fenômenos Cidade de Deus e Tropa de Elite dezenas de produtores tentaram repetir o sucesso, normalmente apostando numa fórmula farta em violência, dramas familiares e conflitos entre a polícia e o crime organizado. O longa de Winters tenta fugir um pouco desse clichê: há alguma violência e muita carga emocional nas relações entre os personagens, mas desta vez a trama se concentra praticamente 100% nos habitantes do local, sem o antagonismo explícito das forças do Estado ou da elite carioca.

O roteiro começa colocando como personagem principal a jovem Tati (Cássia Gil), jovem do Morro que vive a expectativa pela liberação do pai, Jaca (o congolês nacionalizado brasileiro Bukassa Kabengele). O protagonismo passa a ser dividido quando ele sai da prisão após cumprir a pena, disposto a deixar a vida de chefão do tráfico para trás. A situação fica mais difícil quando percebe que muita gente na comunidade ainda o considera o homem-forte do local, principalmente pelo jeito bruto de Nelson (José Loreto), o novo manda-chuva.

Pacificado pega emprestado seu nome da expressão que a polícia do Rio de Janeiro utiliza para denonimar locais onde há uma espécie de trégua entre crime organizado e agentes oficiais, como acontece em eventos do porte da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. O título do filme também serve para descrever o estado de espírito de Jaca, um homem que luta para se manter em paz com seu estado de espírito e o ambiente onde vive.

O personagem interpretado por Kabengele é complexo e contraditório, que não esconde o machismo, ao mesmo tempo em que se mostra generoso com a família e firme em seu compromisso interno com um novo estilo de vida. Apostar numa figura assim faz bem à trama de Pacificado, assim como abordar assuntos pouco falados em produções similares, como a depressão em homens negros e marginalizados – ainda que tratada de forma rápida.

Porém, à medida em que Jaca cresce no roteiro, Tati vai perdendo espaço, assim como sua conturbada relação com a mãe vicidada em drogas (interpretada de forma corajosa por Débora Nascimento). Quando a garota reaparece, a reviravolta que traz consigo paira no ar como algo exageradamente repentino.

Mesmo assim, o filme vale para mostrar que outros olhares sobre cenários repetidamente explorados no cinema nacional ainda são possíveis.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil