43ª Mostra – Crítica: Parasita
Muitos filmes num só. Todos ótimos
Estamos vivendo a era da família asiática disfuncional e o Festival de Cannes está amando isso. Se, em 2018, a Palma de Ouro ficou com o japonês Assunto de Família, no qual cidadãos sem parentesco sanguíneo formam um clã inusitado, em 2019 foi a vez do prêmio principal da competição ir para Parasita, da Coreia do Sul, que narra a história de pai, mãe, filho e filha fingindo não se conhecer para aplicar um elaborado golpe.
O filme dirigido por Bong Joon-Ho (de O Hospedeiro e Okja) gira em torno de uma família que se acostumou a ver o mundo de baixo para cima. Morando no subsolo de um bairro da periferia, os Kim se viram como podem num país que já não oferece oportunidade para todos. Logo na cena de abertura os filhos percorrem a casa atrás de um sinal de wi-fi para filar de graça. É apenas o começo da referência metafórica que dá título ao longa.
Essa relação de parasitagem dos protagonistas se estabelece de forma ainda mais clara com a aproximação dos integrantes a uma família da elite sul-coreana, instalada na luxuosa casa projetada por um renomado arquiteto. O filho (Choi Woo-Shik) é o primeiro a chegar lá, para dar aulas de inglês à filha adolescente do casal Park. Ele encontra brechas para colocar sua irmã, seu pai e sua mãe também trabalhando na mansão, utilizando identidades falsas, sem que os donos saibam que, quando saem dali, todos dividem o mesmo teto.
Se tudo começa como uma rasgada comédia de costumes, com os dois pés na crítica social, o roteiro escrito pelo cineasta em parceria com Han Jim-won vai revelando camadas sombrias, que encaminham um clímax extremamente violento. Enquanto isso, à medida que aborda os preconceitos da família abastada e como esta vê os empregados como itens descartáveis, deixa parando no ar o questionamento sobre quem seriam os verdadeiros parasitas da história.
Parasita vem sendo descrito mundo afora como a demonstração definitiva da capacidade do diretor Bong Joon-Ho. É comum em suas obras que diversos gêneros se misturem dentro da mesma trama, e a falta de medo em fazer planos grandiloquentes, com movimentos de câmera arrojados que deixam de lado a estética naturalista tão em voga no cinema autoral contemporâneo. Trata-se de um cinema que toca em questões profundas sem nunca deixar de entreter, característica que certamente deixará seu nome para a posteridade entre os grandes artistas deste século.