43ª Mostra – Crítica: Sinônimos

43ª Mostra – Crítica: Sinônimos

Estar e não pertencer

Sinônimos

Nos últimos anos, a questão dos imigrantes e expatriados tem sido frequente no cinema europeu e rendido prêmios importantes a quem aborda o tema. É o caso do francês Deephan – O Refúgio, vencedor da Palma de Ouro em Cannes na edição 2015, do documentário italiano Fogo no Mar, agraciado com o Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Berlim, em 2016. A tradição recente foi retomada na capital alemã em 2019, com a vitória de Sinônimos.

Porém, o filme de contornos auto-biográficos dirigido pelo israelense Nadav Lapid trata o assunto de forma completamente original. No lugar de um protagonista sofredor, há um sujeito ao mesmo tempo arrogante e semi-patético em sua inocência. Trata-se de Yoav (Tom Mercier), preso numa espécie de limbo entre o desprezo por Israel, sua terra natal, para onde não pretende voltar, e o deslumbre com o estilo de vida parisiense, local em qual nunca se vê completamente aceito: logo no começo ele é roubado, e ao longo da trama encontra portas fechadas em sua cara, não apenas no sentido literal.

Yoav sai às ruas de Paris munido seu dicionário, e uma câmera subjetiva acompanha essas perambulações, na qual o rapaz tenta se encaixar no cotidiano da cidade. A própria linguagem de Sinônimos toma proveito desse desejo do personagem principal de se sentir francês. Há na estrutura do longa ecos do auge da nouvelle vague, com a presença de um anti-herói errante e elipses que remetem a Acossado, de Jean-Luc Godard, e um triângulo amoroso semelhante a Jules & Jim, de François Truffaut.

Suas lembranças da época de exército israelense são narradas de forma satírica, utilizando o humor como escudo para as mais dolorosas memórias. O filme tem um humor peculiar, difícil até mesmo de ser traduzido em palavras, dado que muito disso depende das entonações e das expressões de Mercier, que estreia no cinema com uma performance assombrosa.

Sem se sentir parte de lugar nenhum, Yoav, aspirante a escritor e dotado de criatividade fértil, vai perceber que o único território que lhe pertence de fato é aquele dentro de si, onde residem as histórias que viveu e sua imaginação. Dependendo do ponto de vista, pode ser suficiente.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil