Crítica: O Mistério do Relógio na Parede
Aventura juvenil fantasiada de terror chega aos cinemas para divertir e envolver públicos de qualquer idade
O terror infantojuvenil é uma receita que costuma agradar muitas pessoas, e quase sempre está aliado à uma fórmula de aventura que dá resultado entre o público mais jovem, e ainda diverte os adultos. O Mistério do Relógio na Parede não tem muitas novidades em sua narrativa, pois o roteiro usa de vários clichês (cômicos e para dar susto), mas há algo original na maneira como a história é contada através do audiovisual. O filme traz a tona a mais singela inocência da infância diante de muito humor, magia e algumas cenas aterrorizantes. Eli Roth usa de inúmeras inspirações, mas parece encontrar um universo próprio, cheio de estranhezas, pronto para agradar a todos.
Baseado na metade do século XX, o curioso e inteligente garoto Lewis (Owen Vaccaro), de 10 anos, acaba de perder os pais e vai para Michigan, para morar com seu estranho tio Jonathan (Jack Black), o qual nunca tinha visto. De início, Lewis apenas se espanta com os móveis antigos e a quantidade de relógios na casa, porém, aos poucos ele percebe que o gigantesco casarão de seu tio tem seus segredos, e que Jonathan e a vizinha da casa ao lado, Sra. Zimmerman (Cate Blanchett) são, na verdade, feiticeiros.
Não funcionam tão bem algumas tentativas dramáticas em cima de Lewis. Tanto pelos conflitos que vive na escola para fazer amigos, pois mesmo após ficar evidente o quanto problemático e arrogante é seu colega Tarby, Lewis ainda tenta impressioná-lo de todas as formas, demonstrando falta de realismo nas cenas; quanto pela falta que Lewis sente de seus pais, pois o público não chegou a conhecer os pais do garoto, uma vez que desde a primeira cena os pais já faleceram. Portanto não há bagagem suficiente pra nos impactar com o ocorrido, embora todos se simpatizem com a situação vivida por um jovem de 10 anos sem os pais.
Os alívios cômicos ficam por conta de Jack Black, principalmente, que já teve um papel semelhante ao ingressar na mistura do universo sobrenatural com a temática infantil em Goosebumps (2015). Nem todos esses alívios realmente provocam risos, pois abusam de muitas convenções que já estamos acostumados, mas garantem um envolvimento à parte da trama principal. O roteiro de Eric Kripke, além de alterar muitos elementos do livro de John Bellairs, não se aprofunda nas relações entre nenhum dos personagens, até mesmo Jonathan e Sra. Zimmerman, que possuem uma forte amizade há muitos anos, mas não demonstram nenhuma proximidade emocional, passando boa parte do tempo trocando “falsas farpas” entre si.
Apesar de seus problemas, o enredo apresenta uma divisão de atos fechada, com pistas, recompensas, e descobertas interessantes que conseguem entreter facilmente durante os 105 minutos de filme. São muitas as cenas divertidas, que conseguem nos deixar tensos e preocupados com o protagonista, pois Lewis é bem desenvolvido, com medos como o de decepcionar seu tio, o de não fazer amigos, e desejos convincentes como o de se tornar um feiticeiro e ser reconhecido e valorizado por Jonathan e Sra. Zimmerman.
Jack Black e o iniciante Owen Vaccaro não se destacam tanto em cena, mas deixam espaço para que Cate Blanchett se saia bem como sempre, desta vez interpretando uma mulher carregada de peculiaridades, com expressões faciais congeladas, um olhar fixo e profundo, além de uma postura corporal característica e uma voz imponente. Eli Roth se encontra em uma direção que apresenta bem seus personagens e seus enfoques dramáticos através de enquadramentos próximos (closes), mas aposta em planos médios que não exploram tão bem o vasto casarão quanto poderia. Não é difícil sentir falta de planos gerais que nos ambiente melhor ao longo do primeiro ato.
O que mais nos agarra nessa aventura é com certeza a direção de arte trabalhosa e deslumbrante, com uma composição de cenários e figurinos baseada em cores escuras e frias, como o verde musgo e as várias tonalidades de marrom e vinho, o que muitas vezes nos remete (principalmente na primeira cena) ao belíssimo trabalho feito por Nigel Churcher em A Forma da Água. Cores como o vermelho, o amarelo e o roxo surgem para enriquecer objetos específicos e abrilhantar mais ainda os olhos do público, assim como os competentes efeitos especiais. É curioso como a soundtrack caminha em direção oposta à trilha musical composta originalmente para o filme, mas ainda funciona. A primeira insere algumas faixas específicas, como por exemplo músicas de blues/rock da época, levando uma animação instantânea ou sentido cômico às cenas, enquanto a segunda busca extrair sentimentos de tensão do espectador, com ritmos lentos e melodias sugestivas, embora repetitivas.
O Mistério do Relógio na Parede promete satisfazer o gosto de quem procura por uma pitada de medo com o gostinho de ver uma criança corajosa se superando, se conhecendo melhor e enfrentando desafios aterrorizantes. O filme, de certa forma é uma celebração às estranhezas (palavra que define a temática da obra) dos desajustados, e mostra por meio de uma história emocionante, que determinação é essencial para vencermos nossos objetivos na vida, sempre valorizando quem deve ser valorizado, e não perdendo tempo ao lado de pessoas mal intencionadas. Uma simples, ainda que velha, lição de vida.