42ª Mostra – Crítica: Assunto de Família
Cleptomaníacos de corações
A relação familiar é tema contumaz do cinema de Hirokazu Koreeda (presente em seus filmes mais famosos, como Pais e Filhos, Depois da Tempestade e Nossa Irmã Mais Nova). De certa forma, é como se todos os seus trabalhos anteriores tivessem o preparado para Assunto de Família, com o qual saiu consagrado com a Palma de Ouro no último Festival de Cannes.
Desta vez, o cineasta conta a história de uma família que pouco tem de convencional. É, antes de mais nada, um grupo de rejeitados que vive como pode, na contra-mão de uma sociedade japonesa onde afeto é artigo raro e a intimidade é simulada em entrevistas para TV ou comercializada em boates de shows eróticos. Num momento em que tanto se discute o que de fato pode ser chamado de núcleo familiar, o filme mostra que laços de carinho podem ser mais fortes que o DNA.
É uma mensagem que poderia ser banal e água com açúcar, mas Koreeda tira o público da zona de conforto ao revelar, principalmente a partir da segunda metade, atitudes moralmente questionáveis de seus personagens.
Se a primeira contravenção que aparece na tela é um furto quase inocente de um supermercado, cometido por Osamu (Lily Franky) e seu filho postiço Shota (Jyo Kairi), retratado de forma cômica, a coisa fica gradativamente mais pesada. Há sequestro, ocultação de cadáver e até um assassinato cometido no passado que vem à tona.
Quem for levar as coisas ao pé da letra ficará numa sinuca de bico, já que Assunto de Família não julga os atos daqueles indivíduos. A eles é permitido um simulacro de normalidade, como um passeio na praia ou uma refeição com todos à mesa. Esta ilusão de alguma forma torna a vida possível por ali, algo bem diferente do que, por exemplo, a garotinha Yuki (Yuki Yamada) conhecia na própria casa, marcada pela violência e desinteresse.
Desafiando as noções de certo e errado, o filme ainda transita pelas periferias pouco conhecidas do Japão. Durante sua passagem por Cannes, Koreeda falou que uma das coisas que gostaria de retratar era essa classe social menos favorecida de seu país, local no qual a desigualdade entre ricos e pobres vem crescendo nos últimos anos. Uma realidade que o Brasil conhece bem desde sempre, e que se torna cada vez menos exclusividade nossa.
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