42ª Mostra – Crítica: A Favorita
Realeza como palco do teatro do absurdo
Dente Canino, O Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado colocaram o diretor grego Yorgos Lanthimos entre os principais cineastas da atualidade. Seus longas têm como assinatura premissas bizarras, personagens capazes de cometer atrocidades e um tipo de encenação surrealista, como se os atores estivessem em outra chave em relação ao mundo habitual.
A Favorita mantém alguns destes elementos, mas demonstra nítida e louvável preocupação de Lanthimos em não se repetir. Trabalhando pela primeira vez num filme de época, ele ainda cria situações para lá de inusitadas, mas parte de um dos temas mais clássicos da dramaturgia, o jogo de poder nos bastidores da realeza, para dele revelar o que há de mais cruel naquele ambiente.
Algo até convencional para quem contou histórias sobre um homem que corria risco de se transformar em animal caso não encontrasse uma parceira, ou uma família que vai definhando fisicamente, só para ficar no enredo de seus dois roteiros anteriores.
Agora o diretor tem em mãos uma trama escrita por Deborah Davis e Tony McNamara, empregando sua visão peculiar ao material. O cenário é a corte inglesa do século XVIII, comandada pela Rainha Anne (Olivia Colman). Sua nação enfrenta uma guerra com os franceses, e os próximos passos são decididos sob influência de sua mais fiel conselheira, Sarah (Racheil Weisz), mulher ambiciosa e hábil no trato político.
Junta-se a este ambiente a jovem Abigail (Emma Stone). De origem nobre mas caída em desgraça após a ruína de sua família, ela busca retomar seu posto entre os abastados, se aproximando de Sarah, com quem tem parentesco distante. Não demora muito para que as duas passem a disputar as atenções da Rainha, dedicando-se à criação de estratégias, troca de ameaças e agressões, a maior parte delas verbais, que rendem diálogos saborosíssimos. O sexo vira também uma arma, algo a ser utilizado em nome de um objetivo maior.
Diferentemente de outros filmes de Lanthimos, que muitas vezes tinham como fonte de humor a frieza quase apática de seus personagens diante de situações absurdas, A Favorita é um filme sanguíneo, frenético. Os personagens estão sempre em ação e a câmera os persegue, seja pelos movimentos constantes de um lado a outra, mesmo quando fixa em um tripé, ou com o uso de lentes angulares, que revelam mais do espaço ocupado por eles, além de causar um impacto de estranheza no visual.
Como é comum em filmes de época, a direção de arte é um espetáculo à parte: figurinos, maquiagem e decorações. Tudo muito extravagante, como para reforçar a teatralidade por trás de cada ato de seus personagens. Afinal, lembrarmos de qualquer peça de campanha das últimas eleições, até hoje política e encenação se confundem.
Porém, se na vida real o nível de atuação de quem disputa o poder é constrangedor, aqui temos três atrizes em estado de graça. Emma Stone se distancia das garotas adoráveis e idealistas que costuma interpretar, Olivia Colman injeta humanidade à Rainha, mas o destaque mesmo é Rachel Weisz, encarnando com maestria uma mulher maquiavélica, que faz lembrar a Lady McBeth criada por William Shakespeare. O bardo, aliás, certamente aprovaria A Favorita.
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