Crítica: O Mundo Sombrio de Sabrina (1ª Temporada)
Poucas vezes o mundo bruxo foi tão divertido
Sendo uma das séries originais Netflix mais aguardadas e divulgadas do segundo semestre de 2018, O Mundo Sombrio de Sabrina, produzido pelos criadores do famoso seriado Riverdale (cidade citada duas ou três vezes na série), nos deixou ansiosos para uma nova abordagem, mais tenebrosa e adolescente, da vida da conhecida personagem Sabrina Spellman, interpretada por Melissa Joan Hart na série Sabrina, Aprendiz de Feiticeira (1996-2003). Ainda que sintamos falta dos alívios cômicos protagonizados pelo gatinho Salém (que na nova série não fala), essa promessa de elementos mais sombrios é realmente cumprida, de uma maneira bastante sedutora por sinal, mas deixa a desejar quanto a amarração de sua trama e seus arcos.
Além de estarmos diante de uma protagonista que parece tão familiar aos nossos olhos (até para quem não assistiu ao antigo seriado), aos poucos vamos tendo contato com cada uma das pessoas que compõem a vida de Sabrina (Kiernan Shipka) e a cidade de Greendale. Embora nem sempre concordemos com algumas práticas, simpatizamos com a família de bruxos, desde Ambrose (Chance Perdomo), o divertido primo de Sabrina, até suas tias Zelda (Miranda Otto) e Hilda (Lucy Davis), que encantam com suas diferentes personalidades. Já com os amigos de Sabrina, é quase impossível não desejar estudar no colégio de Sabrina e conviver com personagens tão interessantes como seu namorado Harvey (Ross Lynch) e suas amigas Roz (Jaz Sinclair) e Susie (Lachlan Watson).
Com esses e outros personagens, a série se baseia logo de início em uma quebra de estereótipos dos personagens. Desde vilões temíveis que nunca podem vir a ser aliados, como o mito da própria protagonista que jamais erra ou comete crimes. Sabrina, além de gostar do mundo bruxo e ao mesmo tempo ter um imenso carinho pelo mundo mortal (o que já traz uma dubiedade em sua personalidade), comete atos questionáveis para fazer com que suas amigas e seu namorado fiquem bem.
Seu enredo abre espaço para reflexões importantes como o quão longe podemos ir para proteger nossos familiares e amigos. Vale a pena tentarmos reverter as tragédias e imprevistos que a vida nos traz apenas para evitarmos que as pessoas sofram? Seguir um legado familiar de negócios ou mesmo cultural é mais importante que nossos próprios sonhos? Infelizmente essas questões não são desenvolvidas, apenas levantadas. Assim como algumas escolhas descuidadas em tentar trazer representatividade e tratar de tantas questões sociais como a homossexualidade, o feminismo, o machismo e o racismo, uma vez que nenhum ajuda no desenvolvimento da trama principal, e acabam por representar arcos mal acabados, abordados superficialmente, sem aprofundamento temático, muito menos dramático.
Nem mesmo a protagonista Kiernan Shipka consegue se sobressair tanto. Ainda que entregue uma boa performance, sua atuação se prende muito a expressões apaixonadas, sorrisos maliciosos e semblantes depressivos. Quem mais chama a atenção é Michelle Gomez (que interpreta a professora Mary Wardwell), e Richard Coyle (que faz o sumo sacerdote, padre Faustus), pois ambos transmitem olhares e expressões secas, que nos geram dúvida a respeito de suas intenções.
Além de um design de produção oitentista e nostálgico, impressiona a fotografia exuberante e sua técnica curiosa em tentar traduzir um mundo sobrenatural e confuso de uma pequena cidade, através de um forte desfoque nos objetos periféricos dos planos, sendo focado apenas o objeto principal. Assim como a trama, a trilha sonora colabora com a temática teen da série, trazendo um indie pop que se mistura com alguns clássicos dos anos 80, e na maioria das vezes funciona.
Com claras referências a filmes clássicos como O Exorcista (1973), A Morte do Demônio (1981) e A Hora do Pesadelo (1984), entre outros, a série alcança um nível respeitável de terror, ainda que dificilmente nos dê medo e nos deixe apavorados como fez tão bem a recente A Maldição da Residência Hill. Sua maior qualidade se encontra no reflexo do amadurecimento da vida adolescente e a quantidade de lados e possibilidades que nos deparamos durante esse período de nossas vidas, e como aprendemos a lidar com isso. O Mundo Sombrio de Sabrina é uma obra televisiva que consegue ser cômica nas horas certas e cativante quando precisa, mas não tão coesa quanto deveria.