Crítica: Mais Uma Chance
Correndo contra o tempo e a biologia
Colocar uma criança no mundo de hoje é um ato de coragem para qualquer mãe ou pai minimamente consciente. O aquecimento global e a ascensão do neo-fascismo em diversas partes do mundo são apenas dois dos motivos citados pela personagem de Kathryn Hahn em Mais Uma Chance para deixá-la com um pé atrás em relação à ideia. Porém, no caso dela e de seu marido Richard (Paul Giamatti), há razões muito particulares para repensar o assunto.
O novo filme da diretora Tamara Jenkins (seu primeiro desde A Família Savage, de 2007, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro) tem um título bem mais apropriado em inglês, Private Life. Afinal, esta produção original da Netflix trata de questões íntimas e mantidas entre quatro paredes pelo casal protagonista.
Já na casa dos 40 anos, Richard e Rachel (Hahn) têm passado por um duro processo de tentativas, que incluem inseminação artificial, adoção e fertilização in vitro. Nenhuma destas investidas deu certo, e o custo emocional e financeiro já está próximo do limite que podem suportar.
É natural que o casamento esteja em crise, mesmo que eles ainda não tenham se dado conta. Mais Uma Chance é, entre outras coisas, também a história de um marido e uma esposa tão obcecados por algo que todo o resto em suas vidas se tornou secundário. Sabe-se que ambos são escritores, por exemplo, mas estão com as carreiras momentaneamente em suspenso.
Para a sobrinha Sadie (Kayli Carter), no entanto, eles são verdadeiros ídolos. Ela própria uma aspirante a artista, encontra no casal um tipo de acolhimento bem diferente do que lhe é dado pela severa mãe (Molly Shannon). Sua chegada à casa de Richard e Rachel para uma temporada proporciona ao casal não apenas a chance de fazer um test-drive de como é ter alguém sob seus cuidados, mas também uma nova oportunidade de conseguir um útero fértil disponível.
A diretora sabe que sua premissa é inusitada, e tira vantagem disso. É divertidíssimo ver os personagens de Giamatti e Hanh pisando em ovos cada vez que precisam falar sobre sua saga em direção à paternidade. Por outro lado, há momentos extremamente dramáticos, a cada tentativa frustrada.
Ao usar como cenário principal o centro de Nova York e protagonistas de uma certa elite intelectual da região, além do tom agridoce e do despojamento elegante de sua estética, Jenkins se aproxima do cinema de Noah Baumbach (de filmes como Frances Ha e Os Meyerowitz – Família Não Se Escolhe).
Os dois autores têm em comum a capacidade de partir de algo excêntrico em seus heróis e heroínas para revelar suas características mais profundas e universais, capazes de gerar identificação. No caso de Mais Uma Chance, isso passa por um casal que precisa antes de mais nada voltar a enxergar um ao outro, antes de querer dividir a rotina com um filho.