Crítica: Ánimas
Nossa mente, nossos corpos
O cinema já nos presenteou com variadas obras sobre a diversidade de possibilidades existentes em nossa psicologia. Como todo e qualquer tema, cada vez é mais difícil reinventar em cima disso e trazer uma história que surpreenda. Talvez nossa atenção deva se direcionar às diferentes formas que um filme (ou série) tem de nós emocionar, ainda que conte praticamente a mesma história, porém de maneira distinta. Nesse contexto, é interessante observar a discussão trazida por meio do filme espanhol (e belga) original da Netflix chamado Ánimas.
No filme, seguimos logo na primeira cena duas crianças, Alex (Clare Durant) e Abraham (Iván Pellicer), que se conhecem em uma escadaria. Dentro de segundos, somos levados ao presente, quando ambos são adolescentes e tentam se ajudar com seus problemas pessoais e familiares. Dentro disso, Abraham passa a conhecer melhor Anchi (Chacha Huang), uma garota do colégio que lhe dá atenção, enquanto lida com seu agressivo e ausente pai (Luis Bermejo) e sua distante (emocionalmente) e silenciosa mãe (Liz Lobato). Já Alex, passa a presenciar estranhos acontecimentos sobrenaturais por meio de alucinações, que a fazem questionar sua própria sanidade.
Diante de uma qualidade técnica notável, desde uma direção de arte de cenários claustrofóbicos e figurinos escuros, até a fotografia de planos médios banhados em uma iluminação contagiante (que explora luzes amarelas, verdes e vermelhas de maneira frequente), somos incluídos juntos com os personagens em uma ambientação surreal e confusa, o que é ajudado pelas alucinações de Alex. Enquanto vamos sendo gradativamente absorvidos por cenas caóticas que mal se relacionam, começamos a perceber o ciúmes sentido por Alex em relação a Abraham junto com Anchi, e ao mesmo tempo vemos como Abraham parece tentar cada vez mais se distanciar de Alex, escondendo sua vida particular.
A direção de Laura Alvea e José F. Ortuño (que também escrevem o roteiro do filme), juntamente com a chamativa montagem, é simplesmente impecável, em momentos até nos remetendo ao trabalho de Argento em seu clássico Suspiria (1977).
O roteiro também tem seus pontos altos com metáforas, espaço para o imaginário do espectador e pistas plantadas que fazem sentido mais tarde (principalmente em seu ótimo terceiro ato), porém Ánimas carece de uma maior elaboração e amarração entre seu primeiro e segundo ato, que deveria convidar o público a se projetar na vivência dos personagens e entender melhor a relação entre Alex e Abraham, algo que não acontece provavelmente por medo dos roteiristas de estragar a surpresa do segundo ponto de virada.
Apesar de um susto ou outro, o filme (classificado como um terror) falha, na maioria das vezes, em transmitir medo ao espectador. Porém, a história é conduzida de maneira envolvente (ainda que num ritmo lento), pois ficamos curiosos para de fato entender o que significam as alucinações de Alex e como isso se correlaciona com os sentimentos de Abraham. No final, a obra funciona muito mais como um drama psicológico (gênero o qual o roteiro deveria ter se baseado desde o início).
Falta esclarecimento de várias questões e sugestões do enredo, mas cabendo ou não ao espectador decidir, o fato é que o filme emociona e se explica (sem necessitar de muita expositividade) de maneira satisfatória, e rende uma boa diversão por quase 90 minutos de entretenimento. Viradas inesperadas, um desenvolvimento misterioso e angústias da adolescência te esperam para uma história não tão original, mas que merece encontrar seu público.