Crítica: Velvet Buzzsaw
Arte em combustão
A discussão entre arte e mercadoria é bem antiga. “Desde que o primeiro homem das cavernas cobrou um osso para exibir pinturas rupestres”, ironiza uma das personagens de Velvet Buzzsaw.
O embate está no cerne do novo filme escrito e dirigido por Dan Gilroy, cineasta que ganhou elogios com a estreia no suspense O Abutre, mas não teve a mesma recepção no longa seguinte, Roman J. Israel, que nem chegou a ser lançado nos cinemas brasileiros, mesmo tendo rendido uma indicação ao Oscar para Denzel Washington.
Velvet Buzzsaw também não terá exibição na tela grande por aqui. Desta vez por um motivo mais nobre: trata-se de uma produção original da Netflix e, poucos dias após a premiere no Festival de Sundance, foi disponibilizado para todos os assinantes da plataforma, ao redor do mundo.
É provável que esta gangorra a que a carreira ainda jovem de Gilroy já foi submetida tenha sido uma das motivações para satirizar o mundo artístico, virando o foco não tanto nos artistas em si, mas nas figuras que orbitam este universo. Principalmente o crítico Morf Vanderwalt (Jake Gyllenhaal) e as negociantes responsáveis por organizar exposições e descobrir novos talentos, interpretadas por Rene Russo e Toni Collette. São personagens excêntricos e de moral duvidosa, nenhum deles pode ser chamado de herói.
Se em O Abutre a história girava em torno de um sujeito solitário que vagava as ruas de Los Angeles com o objetivo de filmar cenas de acidente para vender as imagens a um telejornal sensacionalista, desta vez Gilroy trata de predadores que se vestem com roupas da moda, são considerados descolados e gostam de pensar que ditam o que é ou não é boa arte. Saem as ruas sombrias da cidade como cenário principal, entram as cores fortes de galerias e ateliês, garantindo um visual agradável aos olhos do espectador, em contraste com as ações “sujas” daquelas pessoas.
Egocêntrico e arrogante, Vandewalt é tratado como a autoridade máxima no meio onde transita. Uma palavra sua é capaz de construir ou destruir reputações, ainda que o filme mostre que seu julgamento pode ser movido por diversos fatores externos e nem devem ser tão levados a sério assim. Perguntado por Gretchen (Colette) sobre a opinião de um quadro do pintor veterano Piers (Jonh Malkovich, em aparições rápidas, mas marcantes), ele diz que prefere o trabalho que o artista fazia quando ainda não tinha se rendido a sobriedade. “Mas esse é de 15 anos atrás”, revela a colega. Sem perder a pose, o personagem de Gyllenhaal se sai com um ambíguo “exatamente”, só no carão.
É uma crítica mais sutil em comparação ao que Velvet Buzzsaw ainda reserva pela frente. A trama ganha ares de suspense quando Josephina (Zawe Ashton), uma ambiciosa assistente, encontra um vizinho morto no prédio onde mora. Ela descobre que aquele velho senhor era Vetril Dease, um pintor genial e desconhecido que nunca revelou sua arte ao mundo – e, mais importante, exigiu que seus quadros nunca fossem exibidos. Josephina ignora a recomendação e rapidamente Dease vira o nome do momento na arte, uma grife envolta em mistério.
Em dado momento é dito que Dease usou o próprio sangue para suas pinturas, algo por si só bastante emblemático. Quanto mais o filme flerta com o terror (há até um braço decepado em cena, no maior estilo gore), mais literal ele fica. As artes passam a ganhar vida para acabar com quem está acostumado a se apropriar dela para lucrar por interesse próprio, colocando o dinheiro e a vaidade acima de tudo.
Ao preferir o tom de paródia, Gilroy está desta vez mais interessado na sátira do que numa possível denúncia. Afinal, ele também é um artista que precisa sobreviver neste meio (o cinema e não as artes plásticas, em seu caso, mas ainda assim). A discussão é válida, mesmo que a sensação ao final da sessão seja de um longa que atira para diversos lados e nem sempre acerta o alvo.