Crítica: Brexit
A Era da desinformação
No momento em que escrevo este texto, poucos dias após a HBO estrear seu telefilme Brexit, dirigido por Toby Haynes e estrelado por Benedict Cumberbatch, as autoridades britânicas ainda batem cabeça para solucionar a equação complexa de fazer com que o Reino Unido saia da União Europeia, respondendo a decisão tomada por consulta popular em junho de 2016.
O imbróglio que o Brexit se tornou expõe de forma cristalina como muita gente votou no plebiscito sem ter à disposição o conhecimento necessário do que aquilo representaria na prática. Isso porque, enquanto especialistas falavam de números e fatores racionais, o outro lado apelava para o lado emocional, tendo como alvo uma multidão de seres insatisfeitos que não fazem ideia de como resolver os problemas da contemporaneidade, mas sabem que estão com raiva. Para estes, era melhor voltar para uma época em que tudo era mais simples (mesmo que esse tempo seja mera ilusão pregada pela memória ou tenha deixado de lado outros cidadãos que passaram a se organizar para ganhar voz).
O contexto não é muito diferente do que vimos de perto nas eleições presidenciais brasileiras de 2018 e sua avalanche de fake news e violência, que muitas vezes extrapolou o campo verbal para se tornar brutalidade física.
Na situação apresentada em Brexit, há outro aspecto que chama a atenção. Seu protagonista, Dominic Cummings (Cumberbatch) é um marqueteiro que tem a missão de fazer a campanha do “leave” sair vencedora. O que acontece depois disso não é sua responsabilidade. Portanto, vale tudo para ganhar o jogo, desde fazer uma aliança escusa com uma compahia que opera nas sombras das redes sociais (a agora famosa Cambridge Analytica) até colocar uma notícia falsa como anúncio de um ônibus que roda a cidade de Londres.
O roteiro escrito por James Graham problematiza isso, ao colocar o personagem numa prestação de contas fictícia, em um tribunal, quatro anos depois do Brexit.
Mais uma vez, Cumberbatch se mostra à vontade no tipo de gênio excêntrico e antissocial. Foram assim seus papéis na série Sherlock, em Doutor Estranho e O Jogo da Imitação. Aqui, sua figura sem escrúpulos e obcecada é humanizada pela gravidez de risco da esposa, que ocorre juntamente com os preparativos para a votação. A percepção de que Cummings seria apenas um homem frio e calculista cai por terra em cenas como uma em que acompanha a mulher no hospital, e sua cabeça parece prestes a explodir, num breve e angustiante momento de alucinação.
Enquanto isso, Craig Oliver (Rory Kinnear), articulador da campanha pelo “remain“, ou seja, por manter o Reino Unido como parte integrante da União Europeia, sofre para entender um mundo onde as redes de proteção da democracia como conhera antes estão cada vez mais esgarçadas. Ainda preso à práticas tradicionais como as pequisas qualitativas em grupos de discussão e inconformado com a atenção da mídia aos atos falaciosos e fanfarrões de seus oponentes, ele vai desmoronando conforme o tempo passa. Em dado momento, nota que, no mundo de hoje, onde toda decisão soa binária (ficar x sair, ele não x ele sim) a polarização será constante.