43ª Mostra – Crítica: O Relatório
Outra verdade inconveniente
Quase todas as cenas de O Relatório se passam em escritórios fechados, onde funcionários do governo norte-americano e de seus órgãos associados reviram os segredos da estratégia dos EUA nos anos que se seguiram ao 11 de setembro. A alta voltagem do filme, portanto, não vem de sequências de perseguição ou explosões, mas das discussões acaloradas entre os personagens, que lidam com o fato do exército ter utilizado a tortura como método durante suas invasões ao Afeganistão e Iraque. A quantidade de diálogos pode ser excessiva para o gosto de alguns espectadores, mas interessados em geopolítica terão um prato cheio.
O longa é escrito e dirigido por Scott Z. Burns, mais conhecido por seu trabalho como produtor em longas como o documentário vencedor do Oscar Uma Verdade Inconveniente, que em 2006 já alertava para os perigos da mudança climática. Dessa vez Burns aborda outra verdade, também inconveniente a ponto de muita gente tentar evitar que ela venha à tona, haja visto a quantidade de informações censuradas nos estudos que o protagonista Daniel J. Jones (vivido por Adam Driver) produz a partir de seu trabalho exaustivo.
Funcionário do gabinete da senadora democrata Dianne Feinstein (Annette Bening), Jones dedica sua vida a descobrir os segredos por trás das chamadas “Técnicas Avançadas de Interrogatório”. O nome excessivamente rebuscado, como é praxe quando quer-se dourar uma pílula amarga, foi criado basicamente como permissão para soldados norte-americanos utilizarem afogamento e privação de sono, entre outras coisas, quando capturavam membros das forças inimigas.
O que o personagem de Driver vê com clareza a partir de sua pesquisa é não apenas o fato do procedimento ser discutível do ponto de vista humanitário, mas a noção incontestável que o recurso não tinha eficiência. Ou seja, nenhuma informação relevante foi conseguida assim.
Ainda assim, O Relatório é menos um filme-denúncia e mais uma representação dos dilemas de seu herói sobre a melhor forma de expor tudo que teve acesso. Mesmo angustiado, ele deixa essa decisão para a chefe, crítica da postura de Edward Snowden, o que já indica que a senadora só irá agir se tiver margem legal e oficial para isso.
Assim, o longa se mostra esperançoso na capacidade das instituições de se auto-regularem. A escolha de não mostrar uma cena sequer da vida pessoal de Jones ou de qualquer outro personagem é simbólica nesse sentido. A moral da história é que cabe ao sistema resolver os problemas que ele mesmo cria.