Crítica: A Lenda de Candyman
Quando falamos de filmes de terror, logo vêm à mente mansões mal assombradas e locais isolados no meio do nada. No entanto, desde os primeiros letreiros de A Lenda de Candyman, sequência dirigida por Nia DaCosta, há um distanciamento destas convenções, com imagens de cabeça para baixo do centro de Chicago, onde prédios são envoltos por uma espessa névoa enquanto a trilha de Robert Aiki Aubrey Lowe – que por sinal homenageia o trabalho de Philip Glass – traz um coro fantasmagórico que dá àquelas vistas um sentimento de perturbação.
Dos guetos gentrificados aos bairros mais ricos, DaCosta se utiliza ao máximo da ambientação urbana para criar um forte senso de identidade para seu Candyman, explorando os corredores de complexos de apartamentos, projetos abandonados e até mesmo galerias de arte com um olhar muito específico, contribuindo com uma elegância pouco vista. O filme certamente consegue se destacar entre os exemplares mais recentes do gênero apenas por suas composições visuais e ângulos inusitados, inclusive na maneira como representa algumas de suas mortes.
Contudo, enquanto A Lenda de Candyman parece cheio de possibilidades em seu aspecto visual e tenta explorá-las ao limite, o roteiro co-escrito por Da Costa, Jordan Peele e Win Rosenfeld deve lidar com outros elementos muito mais limitados, tal qual o conjunto de regras que seu “antagonista” traz à mesa. Diga “Candyman” 5 vezes diante do espelho e ele aparecerá para matá-lo. A partir disso, os realizadores não medem esforços para evitar a repetição de situações, mas ainda encontram dificuldades para renovar as circunstâncias pelas quais o monstro surgirá para ceifar suas vitimas. A distinção só está na execução.
O sentimento de ameaça de Candyman é minado pelas inclinações que o roteiro toma ao representar sua figura como essencialmente trágica, aqui referenciando movimentos como o Black Lives Matter para encontrar o significado de sua história. Ainda assim, não há, por exemplo, uma construção contínua da figura dos policiais que os desenvolva como uma ameaça constante: surgem em dois momentos específicos mas parecem completamente ausentes no restante do decorrer do longa. Uma das últimas cenas busca um impacto que Corra! trouxe apenas com o tocar de uma sirene. Aqui, trata-se de um momento igualmente abrupto, mas muito menos eficiente.
Embora as forças policiais sejam uma presença pontual em A Lenda de Candyman, o filme de DaCosta mesmo assim se prova muito mais direto com seus subtextos do que o longa original de Bernard Rose, concebido em 1992. Não se utiliza tanto do poder da sugestão como poderia, sendo vocal e frontal sobre as feridas recentes da gentrificação e a apropriação de vozes negras como meio de produzir uma catarse dos brancos – o expurgo da culpa branca, essencialmente. Enquanto isso ajuda a sequência a se distinguir do original, perde-se o elemento de mistério que dava título ao filme de Rose.
Perdendo parte de seu potencial sugestivo e se explicando diretamente para o público, o longa de Nia DaCosta acaba sendo menor que a soma de suas interessantes partes. O trabalho de fato se distingue como obra política, de um resgate do cinema de gênero para produzir impacto social, e isso deve ser o suficiente para aqueles que procuram uma extensão do filme de 1992 e suas sequências. Mas ainda persiste a sensação de que não atinge seu potencial completo, dependendo muito mais de discussões pós-sessão para ressoar plenamente.