Crítica: Meu Rei

Crítica: Meu Rei

Em determinada cena de Meu Rei (Mon Roi), da diretora francesa Maïwenn, o personagem Georgio (Vincent Cassel), em um diálogo forte, explica para sua mulher Tony (Emmanuelle Bercot) sua visão de relacionamento: uma relação que possui altos e baixos é algo “cardíaco”, que traz emoção; já aquela que é conduzida em uma linha reta, não significa que a pessoa está vivendo, é algo totalmente sem graça. Essas palavras esclarecem bem o que Meu Rei expõe aos espectadores: o realismo surpreendente de um casal que tenta manter a proximidade e união vivas.

O quão difícil é admitir que um relacionamento não está dando certo? Ou pior: como é possível aceitar que um relacionamento é falho – de diversas maneiras – mesmo quando, de fato, existe amor? Amor, aliás, é o sentimento que não falta na história. Porém, ao contrário de vários outros filmes em que vemos um casal apaixonado vivendo seus melhores dias juntos, Meu Rei expõe, com uma singularidade comovente, a montanha-russa de sensações, emoções e situações que o casal em questão passa. Tony e Georgio, juntos, são como uma via de duas mãos, por onde o carinho e o sofrimento sempre acabam se encontrando.

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Ela é uma advogada criminal focada e independente; ele, dono de um restaurante, é o típico garanhão sedutor e popular que a personagem precisa ter sempre por perto, por mais que tenha que conviver com tantos vícios e defeitos. Os dois se conhecem casualmente (em uma belíssima cena com ótima trilha) e a paixão que se desenrola a partir do primeiro encontro acontece com grande intensidade, até que a realidade vem à tona em meio ao cotidiano. A construção da intimidade entre os dois é feita de maneira simples, bonita e até cômica por algumas vezes, e servem como um respiro em meio a uma trama tão densa. Tony é cega de amores por Georgio, que acaba se mostrando manipulador e irresponsável. Os vários estágios de um relacionamento estão lá, assim como os sentimentos florescidos no decorrer de muitos anos.

O roteiro bem amarrado e o modo que a trama é conduzida são detalhes que tornam o filme ainda mais chamativo e poderoso. A história é contada pelo ponto de vista de Tony, e sua narrativa é intercalada por cenas no passado e no presente. Nos dias atuais, 10 anos após conhecer Georgio, Tony se encontra em uma clínica de reabilitação física devido a um acidente de esqui, e o mais interessante é o paralelo estabelecido entre a recuperação física e mental que a personagem está passando. Não é só o seu joelho que precisa voltar ao normal, sua mente torturada por Georgio também precisa, e isso acontece gradativamente. A fotografia excepcional contrasta bem o passado tumultuado com o presente mais contemplativo, pontuado por luzes naturais e diferenças nos planos e enquadramentos.

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Georgio e Tony são personagens bem complexos e tratados com muito realismo. É necessário dizer essa palavra novamente pois é difícil encontrar o “vilão” do filme. Georgio, por mais que não transpareça a todo o momento, é frustrado por não conseguir se livrar de seus vícios para cuidar de sua tão sonhada família. Sim, ele possui várias imperfeições e está bem ciente do que é e do que pode entregar à sua mulher, mas é um personagem profundo e misterioso, vulnerável e imponente. E Tony, igualmente bem desenvolvida, tenta se libertar, com muita dor, do amor desesperado e condenado que sente por ele, o rei dos canalhas, como o próprio personagem “brinca”. O seu rei.

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As performances impressionantes, dedicadas e intensas de Vincent Cassel (na minha opinião, este é um de seus melhores trabalhos) e Emmanuelle Bercot (vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes) são dignas de palmas porque conseguem transferir o espectador facilmente para dentro da narrativa devido a naturalidade das situações e diálogos – e é claro que a química inegável entre os dois atores só ajuda a melhorar. Outro personagem que merece destaque é Solal (o astro Louis Garrel), irmão sempre alerta de Tony; e o único que enxerga desde o princípio o que sua irmã escolheu para si.

A frase os opostos se atraem se encaixa perfeitamente em Meu Rei, filme que com certeza rende e renderá muitas reflexões e discussões. A diretora Maïwenn proporciona, aqui, um cinema de extrema qualidade, que chega a inquietar o espectador ao tratar de um assunto delicado com tanta honestidade e pulso firme.

FICHA TÉCNICA
Gênero: Romance/Drama
Direção: Maïwenn
Roteiro: Etienne Comar, Maïwenn
Elenco: Camille Cottin, Emmanuelle Bercot, Félix Bossuet, Isild Le Besco, Louis Garrel, Ludovic Berthillot, Romain Sandère, Vincent Cassel
Produção: Alain Attal
Fotografia: Claire Mathon
Montador: Simon Jacquet
Trilha Sonora: Stephen Warbeck

Duração: 2h10min

Barbara Demerov

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