Crítica: Demônio de Neon

Crítica: Demônio de Neon

the-neon-demon-1-0-0

A partir do início da projeção de Demônio de Neon, quando somos apresentados a um lindo tableau de cores sortidas, as iniciais N.W.R. estão estampadas na tela. Após a recepção desconcertante de seu longa anterior Apenas Deus Perdoa, Nicolas Winding Refn parece ter novamente tornado sua principal cartada em uma fonte de força criativa: o estilo abundante. Considerando que este seu novo longa se trata do exuberante e impiedoso mundo da moda, a transformação de sua autoria em uma espécie de grife se encaixa muito bem com a proposta. O que era um empecilho e motivo de risadas em Apenas…, aqui permite canalizar ideias e sensações que apenas enriquecem a experiência de Demônio de Neon.

O longa segue a história da jovem Jesse (Elle Fanning), a garota da cidade pequena que chega a Los Angeles para realizar seus desejos de sucesso, beleza e fama (fãs de Lynch?). Hospedada em um motel gerido por um pervertido (interpretado por Keanu Reeves, o John Wick, totalmente fora do tipo), a garota procura trabalhos como modelo e, após chamar a atenção de um renomado fotógrafo (Desmond Harrington), ganha exposição e ascende de maneira astronômica, assinando projetos que outras modelos apenas sonham em conseguir. Tal precocidade não é bem vista por algumas de suas colegas e… bom… vejam com os próprios olhos… e ouvidos.

maxresdefault-19

Com uma trama relativamente simples mas cheia de alegorias e motivações misteriosas, Demônio de Neon torna-se um thriller de horror que esbanja estilo em cada um de seus planos. A atmosfera construída pela típica mise-en-scène de Refn, somada com a fotografia impecável de Natasha Braier e a trilha deliciosamente mixada por seu colaborador Cliff Martinez, é o principal trunfo do filme. Sem o esmero estilístico, a obra poderia ter sido um grande e unânime tiro no pé. Neste sentido, lembra-se bastante do filme de vampiros cult Fome de Viver, dirigido por Tony Scott e estrelado por Susan Sarandon, Catherine Deneuve e David Bowie, no qual uma narrativa predominantemente baseada em sons e imagens imperava sobre a substância de um roteiro.

O elenco aqui traz alguns rostos famosos, como Fanning e Reeves, entrepostos com outros menos conhecidos, como Karl Glusman e Bella Heathcote, e todos demonstram comprometimento com o material. Elle Fanning incorpora a transformação de Jesse maravilhosamente bem, mas quem rouba a cena é (minha crush) Jena Malone, que interpreta a maquiadora Ruby com tremenda coragem, protagonizando algumas das cenas mais polêmicas do longa.

neon-demon-elle-fanning-jena-malone

E por falar em polêmica, o retrato que Refn faz sobre a indústria da moda é simplesmente brutal. Transpõe o espectador para a mentalidade de suas personagens, testemunhando-se um microcosmo misógino, antropofágico e além disso gritantemente pedófilo, mas sem sujeitá-lo a cenas gratuitamente chocantes ou incômodas. Com um terceiro ato completamente inesperado e peculiar, Refn deixa uma forte impressão de que está se encontrando no próprio território, mesmo que ainda não desfrute da mesma graça alcançada em seus inesquecíveis Drive e Bronson.

Demônio de Neon é cinema puramente autoral, estruturado como um editorial de moda repleto de depravações e que não traz respostas fáceis (ou, muito menos, respostas). O veredito fica a critério de quem vê, assim como em obras anteriores de Nicolas Winding Refn, mas mais uma vez, indubitavelmente, trata-se de uma verdadeira experiência audiovisual. E se nada disso te agrada, pelo menos há uma nova e vibrante canção da Sia, produzida para o filme, durante a marcante sequência de créditos finais.

Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.