Crítica: O Lar das Crianças Peculiares
Preciso iniciar essa análise dizendo que sou muito fã da obra de Tim Burton e que admiro sua forma de criar personagens, histórias e situações de maneira leve e sombria ao mesmo tempo. Mas depois de eu me decepcionar com Sombras da Noite (2012), pude perceber que Tim Burton, a partir dali, dirigiu filmes que não chegaram a conter o mesmo impacto de filmes do passado, tais como Edward Mãos de Tesoura ou Os Fantasmas se Divertem. Até mesmo Alice (2010), não possuíra a atmosfera pela qual me apaixonei quando criança ao ver Johnny Depp esculpindo anjos de gelo. Não que Grandes Olhos seja um filme regular (muito pelo contrário, é ótimo!), mas apenas em Frankenweenie (2012) foi possível ver com naturalidade todos os elementos que alçaram o diretor à fama: o stop motion e o preto e branco (lembra de Vincent, de 1982?), além do personagem “padrão” de seus filmes, sempre visto por um olhar cuidadoso pelo diretor: a criança/adolescente que tem dificuldades em se socializar e se refugia em seu mundo, seja ele fantasioso ou não.
Pois bem. Chegou a hora de assistir a mais um filme de um dos meus diretores favoritos e eu realmente fui de coração aberto. Não li a obra O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, então estava mais contida na visão cinematográfica do que na visão de comparação entre o cinema e a literatura – isso pode ser muito bom em alguns casos. No caso de O Lar das Crianças Peculiares, a visão que tive foi a de que a atmosfera de Tim Burton dos anos 80/90 estava presente em vários momentos, apenas com uma roupagem mais moderna e com menos humor. Não é o tradicional, mas mesmo assim, não é insatisfatório.
A história se passa em torno de Jake (Asa Butterfield), um garoto com dificuldades de socialização que cresceu ouvindo de seu avô (Terence Stamp, maravilhoso no papel) várias histórias de crianças com dons especiais que ele conheceu em um orfanato. Quando Jake começa a seguir as pistas que seu avô lhe deu, descobre que aquelas histórias realmente aconteceram. Assim, ele vai com seu pai até o País de Gales e descobre o Lar das Crianças Peculiares e todo o mistério que o cerca. Lá, ele conhece crianças com poderes singulares e a dona do orfanato, Srta. Peregrine (Eva Green), que também possui poderes, é claro.
Como eu não conhecia a história, me surpreendi por ela combinar perfeitamente com o estilo de Burton. Os personagens que nasceram com poderes peculiares, a atmosfera diferente que possui uma paleta de cores mais sombria e até mesmo os monstros que fazem parte da trama são elementos deliciosos de se assistir na telona, tornando a experiência mais agradável e divertida. O lado sombrio e o lado curioso andam de mãos dadas sob a ótica do diretor, sendo uma mistura – quase – perfeita. Sim, quase, pois infelizmente há muito didatismo por parte dos personagens e isso provoca monotonia em certos momentos, indo contra a atmosfera misteriosa que o filme traz em seu primeiro ato.
Todos os personagens peculiares são bem construídos e possuem tempo suficiente em tela para que o espectador se sinta mais próximo e se importe com as situações que eles vivem. Emma (que interage muito bem com Jake), Millard, os gêmeos, Bronwyn, Olive, Enoch, Hugh e Claire são crianças com poderes incríveis e o diretor soube dosar bem as aparições de cada um para mostrá-los de forma equilibrada. As cenas em que eles mostram suas peculiaridades para Jake são ótimas e divertidas. Porém, uma personagem que ironicamente ficou de fora foi a própria Srta. Peregrine. Suas cenas são excelentes mas, por mais que o espectador veja o papel importante que ela desempenha, é inevitável refletir que ela foi subaproveitada na trama, inclusive quando lembramos do enorme talento que Eva Green possui.
Outro sério problema de O Lar das Crianças Peculiares é que, passando da metade até o fim do filme, tudo torna-se corrido demais. A partir da aparição do vilão, Barron (Samuel L. Jackson, que está bem no papel), o didatismo reaparece. A impressão que fica é a de que pode ter acontecido alguma mudança no ritmo do filme de uma hora para outra, pois o desfecho da história, por mais que seja satisfatório, correu ao apresentar fatos que poderiam ser bem mais explorados. O cuidado com a duração e o andamento de um filme é muito importante e pode ajudar ou prejudicar parte de uma obra, e nesse caso, infelizmente prejudicou.
Em suma, o filme agradará bastante os espectadores (e fãs curiosos de Tim Burton) nos aspectos visuais, na trilha sonora impecável de Danny Elfman (parceiro de longa data do cineasta) e pelos personagens. Pode não ter toda a força que o diretor empregou em seus filmes anteriores, mas definitivamente é um bom entretenimento. O tom de fantasia e a história cativante, características fortes de Burton, dão certo – mesmo que fique claro que havia muito mais a ser aprofundado na trama.
Mas quem sabe com a sequência de Os Fantasmas se Divertem não poderemos ver o retorno do excêntrico diretor à sua mais pura forma, com a atmosfera sombria e abordagem sensível? Beetlejuice, Beetlejuice, Beetlejuice…
FICHA TÉCNICA
Direção: Tim Burton
Roteiro: Jane Goldman
Elenco: Aiden Flowers, Allison Janney, Asa Butterfield, Chris O’Dowd, Ella Purnell, Ella Wahlestedt, Eva Green, Finlay MacMillan, Georgia Pemberton, Hayden Keeler-Stone, Judi Dench, Kim Dickens, Lauren McCrostie, Milo Parker, O-Lan Jones, Pixie Davies, Rafiella Brooks, Rupert Everett, Samuel L. Jackson, Terence Stamp
Produção: Jenno Topping, Peter Chernin
Fotografia: Bruno Delbonnel
Montador: Chris Lebenzon
Trilha Sonora: Danny Elfman
Duração: 127 min.