Crítica: Redemoinho
Há uma série de filmes, especialmente nacionais, que passam anualmente por debaixo dos radares do grande público. Em 2015, Obra e Tudo que Aprendemos Juntos. Em 2016, Boi Neon, O Silêncio do Céu e diversos outros.
Entrando para a coleção, edição 2017, temos Redemoinho, a estreia em cinema do veterano da televisão José Luiz Villamarim. Certamente um projeto menos tragável que os mencionados acima, é um filme que traz uma assinatura cinematográfica marcante, onde mise-en-scene, texto, fotografia e montagem colaboram para máximo efeito.
O longa conta a história do operário Luzimar (Irandhir Santos), que vive na cidadezinha mineira de Cataguases com a esposa (Dira Paes). Com a chegada de Gildo (Júlio Andrade), um amigo de infância, ressurgem tensões do passado e a noite de natal dos dois gradualmente se transforma em um pequeno pesadelo.
Logo de início, em seus primeiros minutos, é notável a habilidade de Villamarim em estabelecer a geografia da pequena cidade. Personagens são apresentadas de maneira econômica e a posição de cada um em relação ao outro fica mais clara assim que um trem de carga cruza o caminho de todos, em um trecho que é obra-prima de narrativa visual.
Fazendo uso de longuíssimos planos, com a câmera tomando posições por vezes inesperadas, Villamarim demonstra habilidade admirável com sua mise-en-scene, aproveitando o espaço de cada quadro e também as possibilidades que aguardam fora deste.
Destaque, em especial, para o momento no qual, com a câmera fixa dentro de um carro, vemos Gildo e Luzimar papeando enquanto uma pelada ocorre ao fundo, para depois o segundo ir participar do bate-bola e o primeiro dar voltas com seu “possante” pelo mesmo campo. A execução do trecho é tão confiante que nem se percebe que não houve cortes, muito menos que minutos já se passaram.
A inteligência estética de Villamarim, pareada com a fotografia riquíssima do mestre Walter Carvalho e a montagem inteligente de Quito Ribeiro (que realizou um trabalho exemplar em Bróder, de Jefferson De), nunca se dilui na natureza nebulosa do texto de George Moura.
Como aspecto menos sólido da obra, o roteiro, que por um lado acerta ao confiar na inteligência do espectador em juntar suas peças, torna-se redundante nas interações entre Luzimar e Gildo, que dividem cena por grande parte da duração total do longa.
Trocaria, também, a ordem das duas últimas cenas, com o intuito de encerrar com uma das imagens mais impactantes do filme todo, carregada de tristeza e com forte ligação ao plano inicial. Da maneira que está, fica uma sensação de estranhamento, o que por sua vez pode variar de espectador para espectador.
Apesar das pequenas falhas, Redemoinho se mantém em alta potência através de seu elenco, arrasadoramente talentoso, camuflando nomes populares em seu microcosmo muitíssimo bem-delineado.
O sempre confiável Irandhir Santos injeta peso em seu Luzimar, enquanto Júlio Andrade torna Gildo em um sujeito simultaneamente detestável e compreensível em atitudes. Já Dira Paes, forte presença em TV, comove no papel de uma mulher que, fugindo de um passado aparentemente inescapável, persiste nas ambições de constituir uma família. Por fim, como grande surpresa, Cássia Kis Magro dá as caras como a mãe de Gildo, uma mulher simples, de feições sutilmente tristes e cansadas.
Responsável por minisséries como Amores Roubados e O Rebu, além de uma gama de telenovelas, José Luiz Villamarim surpreende com sua coragem ao empregar uma visão fortemente autoral no que é apenas seu primeiro longa para cinema. Se Redemoinho é prova, temos então outro grande nome para o futuro do cinema nacional, que apesar da pouca visibilidade, encanta cada vez mais.
FICHA TÉCNICA
Direção: José Luiz Villamarim
Roteiro: George Moura
Elenco: Irandhir Santos, Júlio Andrade, Dira Paes, Cássia Kis Magro
Produção: Vânia Catani
Fotografia: Walter Carvalho
Montagem: Quito Ribeiro
Duração: 100 min Distribuição: Vitrine Filmes
Gênero: Drama / Suspense