Rebobinando: O Professor Aloprado (1963)

Rebobinando: O Professor Aloprado (1963)

Já vi incontáveis pessoas dizerem que adorariam ter vivido durante as décadas de 40, 50 ou 60. Mas quantas realmente estariam dispostas a largar suas vidas de wi-fi? Seus confortos e tecnologias do século XXI? Suas facilidades proporcionadas pela evolução do mercado de trabalho? Poucas. Pode parecer óbvio e repetitivo, mas eu sou um dos que, de fato, daria tudo para ser contemporâneo de ícones como Sinatra, Monroe, Stewart, Wilder e, principalmente, da época de sucesso de Jerry Lewis. Claramente não apenas pelas pessoas, mas sim pela ingenuidade e simplicidade da época. Realmente há questões lamentáveis que me entristecem profundamente como o racismo e o machismo (que antes eram bem mais intensos), mas em termos cinematográficos, era uma época em que a música era ótima, o senso de humor genial e o amor uma dádiva.

No Rebobinando de hoje, homenageio um dos melhores e mais famosos filmes de Jerry Lewis, aquele conhecido por muitos como o maior comediante de todos os tempos (algo que não ouso negar). Com um belo legado de Buster Keaton e Charlie Chaplin, homens como Peter Sellers, Chico Anysio, Leslie Nielsen e Steve Martin apareceram e nunca mais saíram de nossas lembranças. Eles foram responsáveis por fazerem inúmeras gerações morrerem de rir com um humor pastelão pra lá de acessível. Mas foi com Lewis que o cinema conheceu seu mestre da comédia, um alegre e talentoso ator capaz de emocionar qualquer expectador com sua inocência. O ator, que começou sua carreira atuando ao lado de Dean Martin em vários filmes, aparece sozinho neste filme. Logo no fim da década de 50 e início dos anos 60, Lewis passou a produzir, escrever e dirigir seus filmes, além de atuar, é claro.

O clássico da vez é um desses inesquecíveis trabalhos autorais do ator. Fique com…

O PROFESSOR ALOPRADO (1963)

Não há quem discorde que dirigir, escrever, produzir e interpretar dois personagens completamente distintos em um mesmo filme seja talvez a função mais difícil de se realizar. Mas em O Professor Aloprado, Jerry Lewis, além de exercer tudo isso, age de maneira espetacular em todos esses encargos! Com uma produção responsável, uma direção criativa, um roteiro engenhoso e duas atuações arrebatadoras, Lewis nos deixa a lição de que comédias pastelão também podem ser muito valiosas para a história do cinema.

O Professor Julius Kelp (Jerry Lewis) é um professor universitário nerd, trapalhão, tímido, introvertido e sem vida social. Frequentemente ele é ameaçado de demissão da universidade por continuamente destruir o laboratório com suas experiências. Depois de ser humilhado por alguns alunos, o professor resolve testar em si mesmo uma fórmula que o transformará por completo. A experiência é aparentemente um sucesso e a universidade vê surgir uma nova pessoa: elegante, charmosa, inteligente, bem falante, com dons de cantor e pianista. É o misterioso Buddy Love, a versão transformada e secreta do professor Kelp. Com a transformação, o professor enfim consegue atrair a atenção da sua amada aluna Stella Purdy (Stella Stevens). Mas, quando tudo parece correr bem para o Professor Kelp, as confusões recomeçam devido às interrupções bruscas dos efeitos da fórmula.

A discrepância entre Julius Kelp e Buddy Love faz de Lewis um caprichoso ator, capaz de encarar qualquer obstáculo. Damos risadas com ambas personalidades, seja com as características desajeitadas do professor Kelp, ou com a arrogância exagerada de Buddy Love. Os pequenos suspiros de romance ocasionados pela ofuscante atriz Stella Stevens acrescentam na comédia emoção à flor da pele em um enredo previsível, porém ainda adorável e eficiente.

O que criticar em uma trilha sonora super dançante e apropriada com a atmosfera do filme? É difícil apontar defeitos em músicas nutridas de jazz, principalmente por conta de meu fraco pelo gênero. Há momentos em que um silêncio seco e acentuado toma conta de cenas oportunas para criar humor e desconforto, sendo muito bem orquestrado pelo diretor de som/montador. Falando em montagem, eis aqui uma das mais relevantes que já vi diante de um filme de comédia dos anos 60. Os cortes são minuciosos e criam empatia com o público, além de instantes curiosos de sentido cômico, ao intercalar uma cena com outra, ou mesmo um plano com outro.

A música também dita o ritmo do ambiente animado e vivo da pista de dança do clube/bar, que chama a atenção do expectador com uma cenário roxo e colorido, intensificado pelo irresistível figurino idealizado por ninguém menos que Edith Head, mais conhecida como a figurinista “oficial” de Hitchcock, mas que também trabalhou em abundantes obras do século XX. A direção de fotografia traz leves movimentos de câmera que envolvem e instigam a ansiedade do expectador.

Como poucos comediantes conseguiram, Jerry Lewis ficará eternizado na memória dos cinéfilos – principalmente pelos amantes do cinema clássico. Os ícones se vão, as lendas, os atores, os cantores… nenhum dura para sempre. Em contrapartida, imortais são os filmes, os personagens, as músicas e todas belas histórias deixadas para nós, fãs desses artistas tão incríveis como Lewis. É justo que permaneçam em nossas vidas, e é nosso dever não permitir que jamais sejam esquecidos, pois seus trabalhos artísticos se tornaram clássicos por algum motivo. Para quem não conhece a obra do ator/diretor/roteirista/produtor/cantor Jerry Lewis, O Professor Aloprado é uma ótimo início. Conhecer seu talento através de uma de suas obras mais divertidas não pode nem de longe ser ruim.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.