Crítica: Columbus
O combo entre cinema e arquitetura é quase sempre fascinante. O documentário Esboços de Frank Gehry, do grande Sydney Pollack, investiga a mente e a obra do pós-modernista Gehry de maneira intimista. O neo-noir brasileiro Obra, dirigido pelo antes arquiteto Gregório Graziosi, cria uma atmosfera intimidadora ao situar seu protagonista em meio a construções gigantescas, de maneira expressionista. O mais novo longa-metragem na categoria pode ser muito bem um dos melhores: estreia do ensaísta sul-coreano Kogonada como diretor de cinema, Columbus é uma pulsante surpresa para o ano de 2017.
Exibido no último festival de Sundance e bastante aclamado pela crítica, Columbus traz um retrato da cidade homônima, repleta de maravilhas arquitetônicas populadas por personagens igualmente cativantes. Com um forte senso de lugar reminiscente do também excepcional Paterson, Columbus, a cidade, torna-se uma personagem também e a maneira com a qual Kogonada usa suas vistas, incluindo as cotidianas, para catalisar as emoções de suas personagens é simplesmente formidável. Criando um efeito por alguns denominado como raccord visual, o diretor, que também exerce a função de montador, valoriza a memória visual do público para criar algo que, honestamente, acredito nunca ter sentido antes.
Não se enganem: este não é mais um daqueles filmes-aquário, compostos por apenas pinturas vivas. O enredo, também da autoria de Kogonada, acompanha os dias da jovem Casey (Haley Lu Richardson), bibliotecária que é, na verdade, fascinada por arquitetura, mas que não persegue sua real ambição por preocupações com o bem-estar da mãe. A realidade da jovem é então abalada pela chegada de Jin (John Cho), filho de um importante arquiteto coreano que reside em Columbus. Os dois criam uma inesperada amizade que desperta profundas reflexões para ambos. Se isso parece um pouco críptico, é porque estou economizando detalhes, pois assim como o nacional As duas Irenes, este é um filme de acontecimentos simples e emoções complexas.
Tais emoções são comunicadas principalmente pelas ótimas interpretações, em especial Richardson, que demonstra um tremendo alcance com apenas 22 anos de idade no papel de uma garota brilhante e de grande potencial, apenas limitada pelo medo de mudanças. O grosso da duração de Columbus é dedicado à jovem e o trabalho de Richardson faz apreciar o pacato ritmo de cada cena. Apesar do menor tempo de tela, John Cho surpreende novamente fora de sua persona cômica e demonstra uma sutileza marcante. Juntos, por fim, Richardson e Cho garantem interações apaixonantes sem nem mesmo formar um casal. Seus coadjuvantes também brilham na forma de Michelle Forbes, Rory Culkin e a pouco apreciada Parker Posey.
A julgar pelo (encantador) canal pessoal de Kogonada no Vimeo, esperava algo um tanto mais saudosista de Columbus, mas para minha surpresa, é um filme que se insere da cabeça aos pés na atualidade e inclusive a discute. Escrevendo cada personagem com uma identidade própria e facilmente distinguível (algo em que roteiristas estreantes geralmente pecam), Kogonada cria uma experiência simultaneamente mágica e verossímil sem apostar nos maneirismos mais comuns do cinema indie. Há um curioso diálogo, no qual os personagens de Richardson e Culkin discutem a percepção diferenciada de livros e videogames, que eu poderia muito bem ter escutado na mesa ao lado em um dos bares da Rua Augusta. É um tipo de cena que não ocorre em função da história mas que também não está desconexa da experiência, assim como muitas de nossas conversas do dia-a-dia.
Como estamos falando de uma carta de amor à arquitetura (de todos os tipos), deve ser dito que Columbus é de uma primazia técnica arrasadora. Além da montagem de Kogonada, que além de raccords faz bom uso de elipses, a fotografia de Elisha Christian enaltece a beleza da pequena cidade, situada no estado da Indiana. Enquadrando cada local com precisão cirúrgica e atenção aos detalhes, Christian naturalmente deixa o fator humano (i.e. pessoas) tomar conta nas horas necessárias. Já a trilha minimalista da dupla Hammock é mesclada de maneira simbiótica com o resto da experiência, agraciando os ouvidos do público (mas isso porque sou fã de músicas ambientes no estilo de Tycho e Aphex Twin, confesso).
Estarei falando de Columbus por meses ou mesmo anos a vir, mas diferente desse meu amor, o tempo deste lindo filme em cartaz será provavelmente limitado, o que é uma pena visto que é essencial vê-lo em tela grande. Por isso, suplico: vá ver Columbus pelas ricas imagens e se surpreenda com suas lindas constatações.
https://www.youtube.com/watch?v=U8PRTargjnw
Um comentário em “Crítica: Columbus”
Comentários estão encerrado.