Crítica: A Qualquer Custo
Começo este texto com uma constatação aleatória: no decorrer de A Qualquer Custo, neo-western indicado a três Globos de Ouro (e agora, dois meses após a publicação deste texto, indicado a quatro Oscars), memórias do excelente longa nacional Boi Neon, de Gabriel Mascaro, surgiam constantemente. Tal comparação podia terminar já na fotografia, que faz uso de luz natural e traz um tratamento de cor que insere alguns elementos vivos em imagens majoritariamente secas e sóbrias. Apesar disso, o principal ponto comum de ambos longas está nos seus retratos sensíveis e, ouso dizer, esperançosos de indivíduos chucros e a árdua realidade que vivenciam.
Dirigido pelo escocês David Mackenzie, que já testou um olhar semelhante em seu fenomenal Encarcerado, A Qualquer Custo parte de um roteiro original de Taylor Sheridan, que abandona o tom sufocantemente opressivo empregado em Sicario e demonstra grande habilidade em conferir vida às pequenas cidades de West Texas, acompanhada de um típico senso de humor, o que deixa seu amadurecimento como roteirista de Sicario até aqui bastante perceptível.
No longa, acompanhamos a história de dois irmãos, Toby e Tanner Howard (Chris Pine e Ben Foster), que efetuam uma série de assaltos a bancos de uma rede específica para que consigam preservar seu patrimônio familiar. Em rota de colisão com os dois, temos o policial veterano Marcus (Jeff Bridges), acompanhado de seu parceiro de longa-data Alberto (Gil Birmingham), na caça aos sujeitos responsáveis pela onda de roubos nas diversas cidades da região.
Trata-se de um longa de perseguição à moda antiga, repleto de lugares comuns que são executados com tanta alma e eficiência que certas vezes ainda pegam o público de surpresa, deixando-o na beira de poltrona em seus momentos mais tensos. O verdadeiro diferencial, porém, está na caracterização de seus personagens e a construção de suas motivações, muito mais profunda que o esperado em um longa do gênero.
O texto fica ainda melhor quando canalizado por grandes intérpretes como Bridges, Foster, Birmingham e, como a grande surpresa, Pine, que entrega sua melhor atuação até aqui. As quatro interpretações centrais são favorecidas pelo forte elo pessoal das duas duplas, que ora brincam, ora retrucam, o que torna a química de todos bastante palpável. Tanto os irmãos quanto a dupla policial são retratados com tamanha vida que, ao fim do longa, extingue-se a mais óbvia das noções de herói e vilão, posicionando todos ao nível do chão, com a diferença de que se guiam por diferentes convicções.
Além das quatro atuações centrais, temos diversos rostos memoráveis como Dale Dickey, Katy Dixon e Margaret Bowman conferindo personalidade a figuras do cotidiano texano (principalmente Bowman, que rouba sua única cena no papel de uma garçonete idosa mas não menos ácida por isso).
Valorizando as belas imagens de Gilles Nutgens, o diretor Mackenzie faz uso de diversos planos longos e espaçosos, com panorâmicas suaves e bem-pensadas (principalmente na cena inicial, que cobre 360 graus do espaço exterior de um banco, o que contribui ainda mais com a veracidade do trecho). A montagem por Jake Roberts tem respeito pelo ritmo demandado por cada um dos planos, porém sente-se a falta de uma solução mais didática para o pulo temporal ocorrido no terceiro ato, que devido à sua secura, causa certo estranhamento, possivelmente confundindo o menos atento dos espectadores.
Por fim, temos uma trilha original tipicamente atmosférica dos compositores Nick Cave e Warren Ellis, que traz um simples mas marcante leitmotiv consistindo de cerca de quatro notas mas que carrega consigo um volume de emoções (ex.: as faixas Mama’s Room e Casino). Acompanhando as faixas originais, empregam-se também diversas canções country contemporâneas que agregam ainda mais ao forte senso de lugar evocado pela obra.
O longa independente de maior bilheteria nos Estados Unidos em 2016, A Qualquer Custo discretamente construiu seu rumo à temporada de prêmios, surpreendendo a todos ao ocupar uma vaga como concorrente ao Globo de Ouro de Melhor Drama. Ainda mais merecida, uma indicação ao prêmio de melhor roteiro para Taylor Sheridan, um nome bastante necessário nesta iminente “Era Trump” pela maneira graciosa com a qual aborda os temas da crise, da desapropriação de terras e o racismo inerente da fronteira norte-americana.
É também mais outro longa que comprova a firmeza de David Mackenzie como um realizador que, assim como em Encarcerado, é capaz de equilibrar doçura e testosterona em doses bastante saudáveis, sem maniqueísmo e sem banalizar as ações de seus personagens que, nas palavras de Marcus, irão assombrá-los pelo resto de suas vidas.
FICHA TÉCNICA
Direção: David Mackenzie
Roteiro: Taylor Sheridan
Elenco: Chris Pine, Ben Foster, Jeff Bridges, Gil Birmingham
Produção: Peter Berg, Carla Hacken, Sidney Kimmel, Julie Yorn
Fotografia: Gilles Nutgens
Montagem: Jake Roberts
Trilha Sonora: Nick Cave e Warren Ellis
Duração: 102 min
Gênero: Drama / Ação
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