A campanha #MeToo está sendo criticada – por mulheres. Entenda o caso

A campanha #MeToo está sendo criticada – por mulheres. Entenda o caso

Junto de 99 mulheres francesas, a atriz Catherine Deneuve assinou uma carta que condena o “puritanismo” desencadeado após inúmeras denúncias de assédio e estupro em Hollywood

Tudo começou com ele: Harvey Weinstein. Desde que as inúmeras denúncias contra o produtor vieram à tona a partir de outubro de 2017 em um fantástico artigo do New York Times, o mundo do entretenimento virou de cabeça para baixo. Hoje, presenciamos um momento turbulento e altamente variável – que não tem hora para passar de vez. A cada dia que passa, acordamos com a chance de ver qualquer homem do meio cinematográfico sendo arrastado para o limbo (tal como Kevin Spacey).

O meio hollywoodiano, que sempre escondeu (e muito bem) todos os podres, não tem mais como fugir de sua própria realidade predatória. As suspeitas sempre pairaram no ar, mas ninguém tinha a coragem de se colocar à frente e falar. Pode até parecer simples, não? Apenas falar. Mas como todos sabem, nesses casos, falar não adianta. É preciso ter uma voz mais poderosa que a do abusador para conseguir algum retorno, e muitas das pessoas que sofreram com estes casos (anos e décadas atrás) até poderiam ter voz ativa, mas o medo sempre acaba tomando conta. Felizmente, o medo já faz parte do passado e muitos passos à frente foram dados desde o caso Weinstein.

Contudo, na mesma medida em que vemos o caminho clarear para um futuro com mais respeito (não só no meio hollywoodiano como no mundo “normal”) o retrocesso continua dando as caras. E a carta que a consagrada atriz Catherine Deneuve assinou ao lado de diversas mulheres da literatura e do entretenimento resume bem o que este retrocesso significa.

“Os homens têm sido punidos e forçados a sair de seus empregos, quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo”

Este é um trecho da carta publicada no Le Monde, dois dias após Hollywood apresentar, durante o Globo de Ouro, apoio às campanhas #MeToo (que na versão francesa é chamada #BalanceTonPorc) e Time’s Up. Com praticamente todas as mulheres vestidas de preto no tapete vermelho e na premiação, além de diversos homens usando o pin “Time’s Up” em seus ternos, a sensação de que ainda existe esperança pairou por toda a noite – ainda mais com a ajuda de discursos poderosos e empoderados, e até mesmo de algumas indiretas bem diretas.

Do outro lado do Atlântico, no entanto, nem todas as mulheres pensam que esses movimentos podem ajudar a atingirmos um nível em que o abuso (seja físico ou psicológico) seja automaticamente visto como um problema. Para as francesas, “estupro é crime, mas tentar seduzir alguém, mesmo que de maneira persistente ou desajeitada, não é – tampouco os homens agirem como cavalheiros é uma agressão machista”. Ainda segundo a carta, tais movimentos se tornaram uma verdadeira caça às bruxas.

Ao afirmarem que a sedução não é um crime e defenderem o direito dos homens importunarem mulheres “a fim da liberdade sexual”, o que elas estão fazendo não é nada além do que reproduzir e defender, mesmo que inconscientemente, a própria opressão. Dito isso, fica a pergunta:

Em que ponto a sedução acaba e o assédio começa?

Acredite, é mais simples do que se imagina. O assédio não inclui só o dano físico e começa a partir do momento em que uma das partes envolvidas não quer continuar a desenvolver algo comum (como uma simples conversa, por exemplo). Sedução, por outro lado, acontece com o envolvimento e consentimento de ambas as partes. São coisas completamente diferentes, mas que de algum modo se coincidiram no manifesto francês.

O problema é tão denso que uma inversão perigosa está cada vez mais escancarada. Agora, o radicalismo vem da parte das vítimas e defensores das campanhas citadas ao invés do verdadeiro alvo: os abusadores e os suspeitos.

Em tempos que as mulheres estão sendo mais ouvidas e respeitadas – não só pelo assédio como também pela desigualdade e discriminação – tudo o que precisávamos era de união, e não de uma carta defendendo os direitos dos homens. Direitos esses que eles sempre tiveram e que, pelo o que tudo indica, nunca terão de se preocupar em perderem.

Barbara Demerov