Crítica: 007 – Sem Tempo Para Morrer
“Não precisamos ir mais rápido. Nós temos todo o tempo do mundo.” Esta é uma das falas que abrem 007 – Sem Tempo Para Morrer, determinando desde o início que esta última aventura de Daniel Craig na pele do espião James Bond tomará mais tempo que o habitual para amarrar todas as pontas soltas deixadas pelo capítulo anterior e realizar uma despedida para o ator, o que não surpreende nem um pouco dada a extensa duração de 163 minutos do longa. No entanto, apesar do apego do público e dos produtores a esta iteração do personagem, tornando este adeus particularmente desafiador, é difícil dizer se tudo isso se justifica para além da homenagem a Craig.
Sem Tempo Para Morrer se vê desde o princípio dividido entre dois objetivos: oferecer uma típica aventura de Bond, com os toques de sempre, e preparar a reta final após as ideias apresentadas no turbulento 007 Contra Spectre, que tomou a já cansada atitude de criar conexões entre filmes anteriores e criar a impressão de um longo arco para Daniel Craig como o personagem. Estes dois objetivos, infelizmente, quase se anulam quando postos em prática, com o segundo entrando no caminho do primeiro e definindo contornos aos quais a franquia dificilmente se encaixa. A decisão com certeza se deve à atual popularidade de universos conectados e blockbusters de evento, que oferecem épicas conclusões a sagas, mas isso nunca soa natural para James Bond.
A partir de certo momento, o filme passa a repetir os mesmos beats narrativos de outras produções recentes e logo cai na previsibilidade, entregando de bandeja as suas intenções de criar um desfecho emocional para criar um aperto na garganta do espectador que acompanhou o personagem não só desde a reformulação em 2006, mas de sua estreia no cinema com Dr. No. Por mais que a ideia de finalidade seja de fato um risco para uma franquia calcada na segurança da fórmula e só por isso mereça algum grau de respeito, ela nunca chega a ser mais do que um corpo estranho em um organismo que, apesar de falho e antiquado, nunca esteve necessariamente em perigo, levando em conta a popularidade de 007 em quase 60 anos de cinema. A única diferença realmente acertada e saudável aqui é um melhor tratamento das personagens femininas, embora nenhuma delas seja devidamente aprofundada – o que é uma surpresa dado o envolvimento de Phoebe Waller-Bridge no roteiro.
Por outro lado, o que mais enfraquece Sem Tempo Para Morrer, enquanto filme de James Bond, é a ausência de um antagonista realmente fascinante, especialmente considerando que este é um desfecho para uma história iniciada há quinze anos. Nada marcante na pele do vilão Lyutsifer Safin, Rami Malek se perde ao tentar apostar num estoicismo que pouco funciona, como se não quisesse desviar a atenção de seus colegas de cena, e isso acaba reforçando ainda mais os equívocos na abordagem do ator – que já não tinha muito com o que trabalhar no material raso. É uma pena que, em sua última missão, o James Bond de Craig se veja desesperadamente na necessidade de um nêmesis, já que até o Blofeld de Christoph Waltz fica subutilizado. Nem mesmo o grande plano maléfico de Safin se distingue.
Depois da aclamação de True Detective e Maniac, o diretor Cary Joji Fukunaga se apresenta ao serviço com uma surpreendente falta de identidade, mas consegue na maior parte do tempo criar um longa de ação funcional com setpieces rebuscadas. Enquanto nenhuma das cenas de ação sequer se comparam àquelas vistas nos filmes anteriores de Craig, nem mesmo à subestimada sequência da ópera de Quantum of Solace, elas se dão com o grau de capricho esperado da franquia, com belos carros, equipamentos infalíveis e pirotecnias nunca regradas por limites orçamentários. O filme até chega a flertar com o caricato e o kitsch em alguns momentos – como na festa em Cuba -, mas nunca cruza a linha e se mantém comportado, sem nunca apresentar uma personalidade marcante.
Isso tudo nos leva novamente à questão do tempo. Além de ser a derradeira aventura do James Bond de Daniel Craig, Sem Tempo Para Morrer nunca justifica sua duração para algo mais do que se promover como filme-evento. Enquanto mais um filme do espião, o resultado é competente apesar do fraco vilão, mas pouco necessitava de uma minutagem tão excessiva – o longa poderia perder pelo menos meia-hora. Já como conclusão de um arco, a obra se enrola ao tentar criar uma nova camada de emoção que não se encaixa tão bem quanto o esperado no universo do personagem, forçando certas conexões a serviço de um final que certamente dividirá os fãs – e que torna o caminho para o futuro da franquia ainda mais delicado. Por tanto tempo estivemos acostumados aos letreiros “James Bond Will Return”, mesmo em meio a diferentes iterações. Desta vez, não podemos contar com nada.