Crítica: 13 Reasons Why (1ª temporada)

Crítica: 13 Reasons Why (1ª temporada)

Você se lembra qual foi a última vez em que maratonou uma série adolescente com temas tão profundos e pertinentes? Tá legal, não sejamos ingênuos ao dizer que nunca houve uma vez. Um ótimo exemplo é a incrível (porém mal divulgada) My Mad Fat Diary, que conta a história de uma jovem inglesa de 16 anos que sofre de excesso de peso e relata em seu diário a experiência em lidar com o próprio corpo e seus relacionamentos com amigos e sua mãe. Ou até a aclamada série britânica Skins, que aborda questões polêmicas como uso de drogas, sexualidade, gravidez e transtornos alimentares. Mas essa foi a vez da Netflix mostrar o que de mais importante nossa sociedade necessita: um “tapa na cara” e, ao mesmo tempo, uma ótima medida para abrir nossos olhos. É com esses objetivos que a nova série 13 Reasons Why chega para provar que depressão é coisa séria, e deve ser auxiliada e discutida.

Mas a série não é apenas sobre depressão; ela vai além ao deixar claro quais razões levam a isso. Explorando desde o assédio até o estupro, a produção se faz necessária e bastante atual, pois são crimes que infelizmente ainda ocorrem em nosso dia a dia e que, como se não bastasse, são justificados e encobertos na cabeça de algumas pessoas. Além de toda a temática fundamental para conscientizar o expectador, a história consegue ser muito atraente em sua premissa. Já no primeiro episódio é possível se interessar pela vida de Hannah e pelos propósitos de Clay, o que ajuda a criar uma curiosidade imediata no público, que em instantes se vê viciado no andamento da narrativa.

Logo no início, uma caixa de sapatos é enviada para Clay (Dylan Minnette) por Hannah (Katherine Langford), sua amiga e paixão platônica secreta de escola. O jovem se surpreende ao ver o remetente, pois Hannah acabou de se suicidar. Dentro da caixa, há várias fitas cassete, onde a jovem lista os 13 motivos que a levaram a interromper sua vida, além de instruções para elas serem passadas entre os demais envolvidos. A série é sustentada por seus incontáveis personagens, sendo que todos possuem uma influência direta ou indireta na vida de Hannah, apimentando a história de diferentes modos.

Pela necessidade de apresentar ao público numerosos personagens, muitos acabam por ser pouco aprofundados, como Zach, Marcus, Sheri e até o misterioso Tony (embora seja compreensível visto o número de episódios e a intenção de destaque em cima de Clay e Hannah). O seriado não possui um enfoque nas interpretações dos atores, onde poucos conseguem se superar através da variação de expressões faciais, como Katherine Langford (Hannah), Kate Walsh (Olivia Baker), Brian d’Arcy James (Andy Baker) e Brandon Flynn (Justin). O triste é que o próprio protagonista (Clay), apesar de ser bem elaborado, é em alguns momentos afetado pelo ator Dylan Minnette, que se mostra inexpressivo em determinadas cenas, quase que como Willa Fitzgerald (Emma da série Scream).

A extensa trilha sonora da série contém ótimas músicas que definitivamente se ajustam ao conteúdo emocional das cenas em que são inseridas, e sua vasta gama de gêneros cria uma combinação agradável, possuindo vários estilos de rock em suas faixas (diferentemente do pop contido no trailer). Mas o maior elemento da obra é sua magnífica montagem, que alterna caprichosamente entre o presente (Clay tentando buscar justiça por Hannah) e o passado (Hannah se tornando depressiva gradativamente por meio das humilhações que sofre), juntando personagens do presente e do passado em uma elegante fusão de cenas, que se desfaz em poucos segundos.

13 Reasons Why trabalha muito bem com as questões sociais presentes no século XXI. Nas entrelinhas é possível ver fortes críticas ao machismo, ao sexismo, e em geral ao comportamento repugnante reproduzido pelos homens na adolescência e início da idade adulta. A direção busca adaptar o roteiro para um objeto audiovisual da maneira mais simples possível, se atentando à fotografia e à arte, sem tentar inovar em ângulos de câmera não convencionais (o que funciona). Alguns movimentos de câmera que acompanham o andar dos alunos nos corredores (alterando o foco em diversas conversas entre vários personagens) tornam as cenas dinâmicas e convidativas, mas o que chega a incomodar são os cansativos contraplanos usados em close-ups entre os diálogos dos personagens, que poderiam ser muito bem substituídos por planos médios e estáticos que desfrutariam muito mais da mise-en-scène.

Além dos personagens mal elaborados (alguns), é possível perceber pequenas falhas de roteiro em algumas cenas, mais precisamente na continuidade dos acontecimentos, que se mostram distintos do que previamente se apresentou. Todavia, essas questões não são nada perto da elogiável história principal e de suas belas subtramas que aguçam o poder narrativo da série. Clay e Hannah são construídos sob falhas e acertos, não se definindo como personagens principais fúteis ou heróis que não erram. 13 Reasons Why aposta alto na interpretação do expectador, que por sua vez pode considerar as ações de Clay justas ou pode questionar sua personalidade hipócrita – pois ele acaba tomando decisões duvidosas -, o caracterizando como um personagem fortemente penetrável e identificável. Hannah também não é perfeita. É impulsiva e indecisa, fazendo-se mais um personagem admirável.

A série, que possui Selena Gomez entre os produtores, é com certeza uma das produções mais marcantes da Netflix dos últimos tempos, e em pouco tempo deverá ser considerada uma das mais relevantes para o progresso social que tanto ambicionamos. Durante os episódios, o expectador questiona seu senso de justiça, sua empatia pelos personagens, seus julgamentos e, principalmente, seu poder de impedir o suicídio de pessoas ao seu redor. 13 Reasons Why é melancólica e reflexiva na medida certa, provocando e ao mesmo tempo emocionando seu público, mostrando que nossas relações ainda precisam melhorar. É preciso se importar, dizer o que sente, engolir o orgulho e, acima de tudo, respeitar o próximo em qualquer situação – afinal, nunca conhecemos a fundo a realidade e as angústias de todos. Se um dia alcançarmos esse nível, poderemos afirmar que a série cumpriu seu dever.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.