Crítica: 1922
Não é difícil concluir que alguns já podem ter se cansado de ler o nome de Stephen King relacionado a filmes lançados este ano, mas ao menos podemos afirmar que essas “coincidências” não são em vão, pois têm rendido belas obras cinematográficas. A mais recente é o filme 1922, baseada no livro homônimo do autor sobre Wilfred James (Thomas Jane), até então um pacato fazendeiro, que bola um plano macabro para solucionar o seu problema financeiro. Ele decide assassinar Arlette (Molly Parker), sua mulher – mas, para conseguir fazer tudo direito, Wilfred precisa convencer Henry (Dylan Schmid), seu filho, a ajudá-lo.
Apesar de instigar algumas reflexões a respeito dos personagens e da história, o roteiro do filme não ousa, mas possui acertos e prende o expectador pelo menos até o fim do segundo ato. Um desses acertos é a formulação dos personagens (em especial do protagonista), muito bem fundamentada em cima de intenções e objetivos. Por outro lado, o que não ajuda são as péssimas atuações, inclusive de Thomas Jane, que interpreta o personagem principal e se esforça, porém definitivamente deixa a desejar em sua performance – assim como os coadjuvantes. No fim, a inegável interpretação que fica é a de que ótimos personagens foram desperdiçados com péssimos atores ou, pelo menos, atores que não conseguiram se encontrar e passar ao público as emoções pretendida.
O que equilibra os problemas interpretativos são os elementos técnicos, além da boa história. Em 1922, a condução do suspense fala por si só. O roteiro transmite bem a progressiva loucura de Wilfred, toda sua preocupação em ser condenado e a de manter seu filho no bom caminho, sem que o mesmo cometa burrices. A dependência emocional e influência paternal são muito bem produzidas, refletidas através de olhares entre pai e filho, além da própria resolução da história, que, embora seja lenta e perca boa parte do ritmo construído, se faz bem pesada e profunda.
A direção de Zak Hilditch (também roteirista) e a cinematografia de Ben Richardson são muito boas e criam enquadramentos interessantes e pouco iluminados no geral. Numa linguagem particular, os movimentos de câmera buscam transmitir o necessário para que o expectador entenda e sinta a história como algo além de plausível. Se Hilditch falha em dirigir seus atores, acerta na sensibilidade proporcionada pela história junto aos aspectos técnicos deslumbrantes, em que todos, sem exceções, alcançam no mínimo uma ótima avaliação. A montagem varia entre cortes secos e longos e arranca a emoção específica de seu público em cada cena, sendo um dos elementos mais notáveis, principalmente ao fim do terceiro ato.
Beirando a excelência, o elemento mais elaborado em 1922 é o design de produção do filme, gerenciada por Page Buckner. Absolutamente cada cantinho da obra é premiado com um visual encantador; desde a belíssima concepção de cenários realizada pela decoradora de set Jacqueline Miller, até o design dos figurinos providos por Claudia da Ponte, que nos impressiona pela fidelidade de época e espaço. Além de toda beleza, essa proposta de arte conversa facilmente com os princípios do roteiro (como quando tudo parece apenas um dia normal na fazenda de uma família rural), e quando a obra passa a tomar um aspecto sombrio (de cores frias), passando pelo terror do protagonista até trazer uma extrema tensão ao público.
Claramente essa “disfunção” de gênero pode incomodar alguns expectadores, mas em minha visão, 1922 brinca muito bem com a mescla de suspense, drama e terror. As sensações são variadas e acabamos por terminar o filme refletindo sobre a diversidade de emoções que pudemos apreciar diante de 112 minutos. E sabe o que também não vai sair da sua cabeça por algum tempo? A intensidade dramática oferecida pela trilha sonora de Mike Patton, angustiante e tenebrosa, como um bom suspense dramático ou terror psicológico deve ter. A música alimenta os medos e o desconforto do público frente à uma narrativa terrivelmente triste e bastante interessante.
Espero não deixar dúvidas que 1922 não é para todos os públicos. Esta é uma obra dinâmica por conta de seu desenvolvimento durante o primeiro e segundo ato, porém seu terceiro ato reserva surpresas e opções de roteiro que pode (e deve) não agradar qualquer expectador. Com distribuição da já gigantesca Netflix, o filme busca fugir de algumas convenções do gênero principalmente por misturar-se a outros temperos audiovisuais. O filme deixa, sim, um gostinho de quero mais. Quero mais explicações, bagagem histórica dos personagens, e até da própria resolução da história, mas o divertimento é garantido desde o momento em que conhecemos o objetivo de Wilfred: assassinar sua esposa.
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Zak Hilditch
Produção: Ross M. Dinerstein
Elenco: Thomas Jane, Dylan Schmidt, Molly Parker, Neal McDonough, Brian d’Arcy James
Direção de Fotografia: Ben Richardson
Direção de Arte: Page Buckner
Montagem: Merlin Eden
Música: Mike Patton
Gênero: Drama / Suspense / Terror
Duração: 112 min.