Crítica: A Aparição

Crítica: A Aparição

Rico em detalhes, longa discute sem sensacionalismo embate entre ceticismo e fé

Imagem do filme 'A Aparição'

Numa das primeiras cenas de A Aparição, o protagonista Jaques (Vincent Lindon) surge sozinho num quarto de hotel, com as mãos junto ao rosto, numa postura que não deixa claro se está chorando ou fazendo uma oração. Seja qual for o ato, logo fica claro que o sentido é o mesmo: ele procura conforto após a trágica morte de um colega de profissão, fotógrafo que cobria uma guerra no Oriente Médio ao seu lado.

A noção de fé enquanto busca interna por algo em que se acreditar está no cerne do filme escrito e dirigido pelo Xavier Gianolli. Apesar de tratar de um tema que poderia ser explorado de forma sensacionalista, o longa se mantém sóbrio enquanto conta a história de um repórter enviado pela Igreja Católica a uma pequena vila francesa a fim de apurar se uma jovem que diz ter visões da Virgem Maria está mesmo falando a verdade.

Com um grau de minúcia que atualmente parece reservado apenas às séries de TV, A Aparição acompanha a investigação de homem que, acostumado a lidar com fatos concretos, precisa entender como funciona a fé. Ao contrário do que poderia se supor, ele não é exatamente um ateu, embora não seja ligado particularmente a nenhuma religião. Esta seria uma construção demasiadamente banal. Mais interessante é a escolha por construir um personagem racional, disposto a entender de fato o que está acontecendo ali, um profissional acostumado a cobrir zonas de guerra e agora chamado para se envolver em outro tipo de combate, entre o ceticismo absoluto e a crença cega.

Vale um elogio especial à atuação de Lindon, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes em 2015 pelo ótimo O Valor de Um Homem e que aqui tem mais uma performance inspirada. É daqueles atores sensíveis, que conseguem dar mais humanidade aos personagens em pequenos gestos, como mostram seus encontros com Anna (Galatéa Bellugi), alvo de sua pesquisa e com quem desenvolve uma relação de curiosidade e proteção.

Enquanto isso, as outras figuras que giram ao redor da garota parecem sempre ter um interesse escondido na manga. Há, por exemplo, uma lojinha dedicada a souvenirs de cunho religioso com o rosto de Anna, de olho no crescente movimento turístico que as notícias de suas visões trouxeram ao local.

A câmera de Gianolli, que em boa parte do tempo guarda uma distância segura da ação, sugere um narrador neutro, mais interessado nas escolhas de seus personagens do que em apresentar uma verdade absoluta ao espectador. Sua opção por planos abertos, como na cena de encerramento, é a tradução cinematográfica daquela tão famosa frase de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.

Sem pesar a mão, A Aparição deixa espaço aberto para que o protagonista encontre sua redenção. Esta vem menos como catarse e mais na forma de uma compreensão interna. No final das contas, cada um escolhe as relíquias que considera sagradas para si.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil