Crítica: A Autópsia
De vez em quando nos deparamos com filmes de terror que trazem consigo um tratamento diferente de sua trama, focando propriamente na construção gradativa da tensão em cima do expectador, uma aposta não convencional para filmes do gênero. Depois dessa minúscula introdução nem preciso dizer que A Autópsia se enquadra nessa categoria diferente de terror, não é? Um terror que se molda na condução do suspense, do desconhecido, de acontecimentos anormais e ambientações medonhas. Mas, mais do que sua abordagem diferente de seu roteiro, o filme alcança façanhas imprevisíveis com a direção de André Øvredal, que transborda talento nos enquadramentos e em sua visão original.
A experiência do filme muitas vezes nos lembra de A Bruxa (2015), tanto por sua temática quanto pelo tom de mistério que envolve todas as cenas. A Autópsia é um filme minucioso e detalhista, de onde pode-se retirar inúmeras qualidades de seus aspectos visuais e sonoros. Pretendo citar cada um deles nesse texto, pois este é definitivamente um filme que merece toda sua atenção. Indico a todos fãs de terror psicológico que adoram sentir medo enquanto dissecam uma obra tão cativante quanto essa.
De início, o filme logo nos apresenta Tommy Tilden (Brian Cox) e seu filho Austin Tilden (Emile Hirsch), responsáveis por comandar o necrotério de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Os trabalhos que recebem costumam ser muito tranquilos por causa da natureza pacata da cidade, mas, certo dia, o xerife local (Michael McElhatton) traz um caso complicado: uma mulher desconhecida que é encontrada morta nos arredores da cidade. Conforme pai e filho tentam descobrir a identidade da mulher morta, coisas estranhas e assustadoras começam a ocorrer no necrotério, colocando a vida dos dois em perigo.
Embora o ponto alto da obra seja a direção e seus aspectos, as atuações também conseguem surpreender. Hirsch mostra qualidade ao interpretar o filho preocupado e disposto que é Austin, e nos prova que seu talento não se esgotou em Na Natureza Selvagem (2007). Porém, o verdadeiro chamariz dos personagens é Tommy, que coloca Brian Cox em uma de suas melhores interpretações, sabendo dosar de sua seriedade e de seus olhares incertos. As expressões dos atores e os diálogos entre os dois personagens são o suficiente para criar uma considerável curiosidade no público já em sua primeira meia hora de filme, pois é onde o expectador se vê diante do trabalho de Tommy e Austin, que é no mínimo intrigante. Aos poucos conhecemos e nos familiarizamos com o necrotério em questão, as investigações do pai e seu filho são apenas algumas das particularidades chamativas do filme, sendo a direção de fotografia de Roman Osin e a arte as principais.
Somos acostumados a presenciar uma dominância de cores frias quando assistimos a filmes de terror. Não vou mentir e dizer que isso não acontece em A Autópsia, mas acontece de maneira equilibrada e distinta. Pareceu confuso? Na verdade o filme simplesmente brinca com paletas complementares e combinações análogas (cores vizinhas do círculo cromático), portanto temos cores quentes nas paredes e nos figurinos dos personagens, algo que possivelmente não transmitiria as sensações buscadas pelo terror e pelo suspense, mas que de alguma forma funciona perfeitamente com o filme, fornecendo uma interpretação rara do gênero, mas não a única da obra.
Logo no começo do filme a câmera explora/apresenta o andar (subsolo) do necrotério, se deslocando lentamente entre os corredores enquanto altera seu foco eventualmente. Esse tipo de apresentação normalmente é usada apenas como um pretexto para inserir créditos iniciais, mas o diretor não usou de tal técnica repulsiva e decidiu percorrer os arredores do cenário sem apelar para textos logo na cara da platéia, algo que é realmente muito interessante, pois podemos realmente contemplar o espaço que irá acompanhar o filme inteiro.
O roteiro do filme acerta em cheio durante o primeiro ato (um dos melhores e mais eficazes inícios de suspense que já vi) e durante metade de seu segundo ato, mas se perde ao tentar tornar o suspense tão bem construído num terror cheios de jump scares previsíveis e uma história sobrenatural exagerada que não convence ninguém. Os roteiristas Ian Goldberg e Richard Naing ainda ousam apresentar um plot twist no terceiro ato que mesmo sendo interessante, acaba sendo explicativo demais e toma uma direção inesperada além de indesejada pelo público.
Citemos juntamente a respeitável montagem, que faz o “caminho inverso” do roteiro, se mostrando tímida durante o primeiro ato (sendo apenas necessária para dar continuidade à narrativa) e se destacando a partir da metade do segundo ato, quando procura acelerar a percepção do expectador com cortes rápidos e angustiantes, o que ocorre satisfatoriamente. A trilha musical também se supera desde os primeiras cenas, com harmonias sedutoras que combinam perfeitamente com o clima obscuro que está por vir. Sem falar das boas músicas de rock que Tommy e Austin gostam de ouvir enquanto trabalham.
No geral, A Autópsia é um belo terror que ensina muito para os cineastas e para os cinéfilos, mostrando que a elaboração do suspense é fundamental para preparar o público para o terror que virá. Outro ensinamento exemplar é a ousadia que se marca através da notável direção de Øvredal e da exuberante fotografia de Osin, provando que o cinema sempre pode explorar técnicas novas e inovar em qualquer área – algo elogiável, pois a originalidade é um dos elementos mais valorizados da Sétima Arte.
https://www.youtube.com/watch?v=Ma7efzNe8OE
FICHA TÉCNICA
Direção: André Øvredal
Roteiro: Ian Goldberg, Richard Naing
Elenco: Emile Hirsch, Brian Cox, Ophelia Lovibond, Michael McElhatton, Olwen Kelly, Parker Sawyers
Produção: Fred Berger, Eric Garcia, Ben Pugh, Rory Aitken
Fotografia: Roman Osin
Música: Danny Bensin, Saunder Jurriaans
Montagem: Patrick Larsgaard
Gênero: Terror / Suspense
Duração: 88 min.