Crítica: A Maldição da Residência Hill (1ª Temporada)

Crítica: A Maldição da Residência Hill (1ª Temporada)

Horror, drama e perfeição

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Depois de rasgar elogios para o diretor Mike Flanagan em sua última obra, Jogo Perigoso (2017), cá estou aqui de novo para saudar e reverenciar sua capacidade criativa em nos fazer sentir medo, nos identificar com os dramas de seus personagens e nos envolver assustadoramente (no sentido mais cru da palavra) com histórias de superação que se camuflam em obstáculos sobrenaturais.

Sua nova série, também Original Netflix, faz um apanhado de todas experiências positivas que obteve em seus filmes, e as traz para a ambientação de uma casa assombrada por diversos espíritos. E nada melhor que uma cativante história familiar pra complementar esse admirável “complexo de Flanagan”.

De cara percebemos que o enredo de A Maldição da Residência Hill acompanha a vida da família Crain em dois períodos diferentes (passado e presente). O primeiro se passa durante a época em que residiram na antiga e gigantesca casa dos Hill, presenciando aparições inexplicáveis e tentando lidar com as mesmas. O segundo período, se passa anos depois, quando os cinco filhos da família já são adultos com suas próprias vidas, e sustentam seus traumas como podem, visto que durante a estadia no casarão, eram apenas crianças. O que eles não contavam é que as mesmas forças do além que viam quando pequenos voltariam a perturbar seus sonhos e suas realidades.

O criador, Flanagan, que dirige todos os episódios e colabora na história da série com outros roteiristas, declara um tratamento diferenciado das implicações que os efeitos do mundo sobrenatural e a consequente descrença das pessoas à sua volta podem trazer para nossas consciências. Diferentemente de muitos filmes e séries atuais, A Maldição da Residência Hill nos mostra o quanto é possível alimentar nossas fobias e inseguranças ao longo de anos, e assistí-las destruir nossas vidas de pouco em pouco.

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Durante a primeira metade da temporada a série se destina a apresentar mais precisamente os medos, objetivos, qualidades e defeitos de cada personagem. Em cima disso, os episódios mesclam a quantidade perfeita de drama e terror. Assim como aprendemos com obras como A Bruxa (2015) e Hereditário (2018), o terror (visual e psicológico) se torna muito mais impactante e perturbador quando temos a presença de um drama familiar e tragédias. O diretor captou isso há tempos, desde sua primeira obra de horror, O Espelho (2013), e trouxe para sua série tudo isso encorpado de uma maneira ainda mais acessível, prezando pelo gosto convencional sem perder a singularidade de seu suspense.

A fala dos personagens, aqui, se faz muito importante. Há uma frequente presença de diálogos densos, reflexivos e emotivos entre os personagens, que pausam a tensão/construção do terror para nos fazer contemplar o pensamento dos personagens (que já nos primeiros episódios ganham nosso carinho). Isso pode incomodar um pouco os espectadores “anti-falas expositivas”, que, na minha opinião, aqui não possuem vez. Essa exposição se justifica pela poesia e intimidade dos diálogos, que contextualizam e direcionam as emoções dos atores como nenhuma ação conseguiria fazer.

O roteiro não economiza audácia e extrapola sua já interessantíssima história para viradas imprevisíveis que aguçam ainda mais nosso envolvimento. Plantando pistas desde os primeiros episódios, a série vai se resolvendo e fazendo questão de explicar cada elemento enigmático que até então nos causava dúvida. Desde personagens misteriosos e causas de relações abaladas, e até uma possível e intrigante sobreposição de tempo que promete deixar vários espectadores de queixo caído. Sim, não é apenas Dark que ousa te confundir.

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Visualmente esplendorosa, a cinematografia do experiente Michael Fimognari opta pelo uso de câmeras fluidas que flutuam aos olhos do público, inclusive em um plano sequência de mais de 15 minutos (no sexto episódio), que com cortes falsos/omitidos ou não, é a coisa mais linda de se ver. É deslumbrante notar como a composição de cenário se molda em cima das emoções dos personagens. Desde as cores, até os objetos de cena. Já sonoramente, temos um ótimo desenho de som que exalta momentos específicos de susto ou medo, além de uma tocante trilha musical composta pelos The Newton Brothers, que casa com a proposta de qualquer cena.

Além da equipe técnica, Mike Flanagan reúne vários dos atores com quem já trabalhou e tem confiança, seja para os papéis principais, como para os secundários e até terciários. Entre eles, sua esposa Kate Siegel (Hush e vários outros filmes), Carla Gugino e Henry Thomas (do já citado Jogo Perigoso), Elizabeth Reaser e Lulu Wilson (Ouija – Origem do Mal), Samantha Sloyan (também de Hush), Annabeth Gish (O Sono da Morte), James Lafferty (O Espelho) e Catherine Parker (de seu primeiro longa, Absentia). O mais valioso é saber que todos esses intérpretes se saem bem contracenando juntos diante de cenas amedrontadoras e longas discussões familiares.

A Maldição da Residência Hill é a mais nova obra-prima do catálogo da Netflix, que se parece nos decepcionar com os filmes originais (em geral), costuma agradar muito com os seriados. Pode-se garantir muito medo, mas diferente do que estamos acostumados, um medo que percorre o drama e as dificuldades de personagens que foram a vida toda infelizes, por conta de um passado assombroso e pela falta de amor entre si. Como bem diz uma das falas finais do décimo e último episódio: o medo é um abandono da lógica. Mas, ao que parece, o amor também.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.