Crítica: A Múmia
No cinema, em um tempo em que (ainda) não havia super-heróis, já existiam os monstros. Monstros que nasceram da literatura, ganharam suas versões na telona e receberam todo o prestígio e admiração de muitos. Drácula, o Homem Invisível, o Fantasma da Ópera, o Lobisomem, a Noiva de Frankenstein e, claro, Frankenstein, tiveram seus próprios filmes no decorrer das décadas de 30 e 40, todos produzidos pela Universal Pictures. Os filmes do Universal Monsters representam um período brilhante não só para a história do estúdio como também para o cinema como um todo.
Vi, ao longo dos anos, todas essas criaturas serem consideradas clássicas, e até ontem estes também eram seres irretocáveis. Hoje, nem tanto. A Universal estudou por um bom tempo (ainda mais após o sucesso de bilheteria de Drácula: A História Nunca Contada) a possibilidade de refazer todas as histórias de seus monstros clássicos e, assim, criar um verdadeiro universo compartilhado, exatamente igual aquele que tanto vemos com os heróis da Marvel e DC. Essa é uma novidade muito bem-vinda para todos os cinéfilos que amam histórias antigas com estilo sombrio e gótico, e que agora ganharão uma nova roupagem para novas gerações. Se recentemente fomos presenteados com Penny Dreadful na televisão, também teremos esse tipo de abordagem no cinema mais uma vez.
Dentre os monstros que citei acima, ainda há mais um que eu não citei propositalmente, porque esse texto será dedicado somente a ele: A Múmia. A Universal decidiu iniciar seu Dark Universe (saiba mais sobre o projeto aqui) com uma personagem icônica que não surgiu da literatura, mas sim diretamente do filme de 1932. A Múmia já passou por várias refilmagens – incluindo uma de 59 com Christopher Lee como o sacerdote Kharis e os três longas com Brendan Fraser, sendo o último lançado em 2008 – mas era claro que, como este personagem foi o escolhido para dar o pontapé inicial ao Dark Universe, era necessário dar aquele start over em tudo.
E foi o que fizeram! Estrelando o longa, temos Tom Cruise e Sofia Boutella como Nick Morton e Princesa Ahmanet, respectivamente. O tom do filme é muito mais de aventura e ação do que mistério e terror, fator determinante para o público-alvo deste projeto. Portanto, se você quer algo 100% sombrio, vai encontrar apenas na personagem-título e no primeiro ato do filme, quando vamos descobrindo o passado de Ahmanet e suas motivações. Colocando isso de lado, o que vemos em tela é uma trama divertida e dinâmica que, visualmente, até consegue remeter ao game Uncharted em alguns momentos.
Ainda sobre o tom do filme, não é que A Múmia não seja sombrio, mas o personagem de Tom Cruise, um soldado americano que escava tumbas e caça relíquias para ganhar uma graninha extra (Nathan Drake disse oi!), é aquele tipo de homem canastrão e quer sempre estar um passo à frente de todos. Ele mantém a trama leve, ao mesmo tempo em que vemos o balanceamento disso com Sofia Boutella, que traz todo o terror e maldade da Múmia para a história. Aliás, o casting de ambos os personagens foi absolutamente perfeito, não há como negar.
A história se desenrola quando Morton, Jenny Halsey (Annabelle Wallis) e Vail (Jake Johnson) descobrem a tumba da Princesa e acabam libertando todo o mal que estava preso por milhares de anos. Simples e direta, a trama funciona muito bem na maior parte do tempo. Com a adição do icônico personagem Dr. Henry Jekyll (Russell Crowe, que já começou cumprindo muito bem seu papel do Médico e o Monstro), é aí que os fãs do terror podem muito bem ver os resquícios das décadas de 30 e 40: o mistério puro e a vontade de ver mais daquilo. A atmosfera do filme brinca com o entretenimento e a seriedade a todo o momento, e tal mistura é gratificante de se ver. A Múmia é, sim, um blockbuster, mas também é um filme que mostra que o terror é sempre bem-vindo – seja ele absoluto ou em fragmentos.
Por mais que seja entretenimento puro e possua cenas de ação de tirar o fôlego, o filme de Alex Kurtzman (que também irá produzir outros filmes do Dark Universe, como O Homem Invisível) não é livre de falhas. O terceiro ato deixa a desejar se compararmos ao restante do filme, principalmente porque a motivação do protagonista (Cruise) e tudo mais que isso implica acaba ficando rasa e sem muita explicação. A apelação para o óbvio fica clara, e isso desanima razoavelmente a experiência.
Porém, não dá para negar que a vontade de ver mais monstros em tela é maior que a preocupação com os defeitos do filme – que também se estendem para a edição. No geral, A Múmia soube introduzir o Dark Universe de maneira original e divertida, e esse é claramente o plano do estúdio: a ampliação e desenvolvimento de mais aventuras nesse estilo. Sinceramente, espero que o filme dê certo com o público e que o retorno seja bom o suficiente para dar base a este projeto. Em tempos de reboots para todos os lados, é interessante e animador vermos adaptações de clássicos originadas dos primórdios do cinema.
Se Nick Fury trabalha com os Vingadores, Dr. Henry Jekyll está com (e também à procura de) todos os monstros do mundo. Tá aí uma briga das boas!
4 comentários sobre “Crítica: A Múmia”
Comentários estão encerrado.