Crítica: À Pé Ele Não Vai Longe
Sobre vícios, incapacidade, e vontade de viver
A cada ano temos no cinema diversas biografias de artistas famosos, o que, felizmente, é útil para levar conhecimento ao público e emocioná-lo de alguma forma. É muito bom saber que a última cinebiografia do ano de 2018, é algo particularmente original. À Pé Ele Não Vai Longe é um tocante drama que se constrói por meio de uma abordagem cômica presente nas entrelinhas dos diálogos e das ações dos personagens.
O filme conta a história real do conhecido cartunista John Callahan (Joaquim Phoenix), que sofreu muito com o alcoolismo em sua vida, e que após sofrer um grave acidente de carro ficou permanentemente paraplégico. Isso evidentemente pareceu o fim do mundo para ele, mas é quando conhece pessoas especiais capazes de motivá-lo a continuar vivendo e descobrindo seu talento como cartunista, profissão a qual desempenhou até o fim de sua vida. Entre essas pessoas, Donnie (Jonah Hill), um cara bem humorado que organiza o grupo de AA que John passa a frequentar após seu acidente, e também Annu (Rooney Mara), uma jovem e bela moça que ajuda John a superar suas inseguranças e sua infelicidade.
O genial diretor Gus Van Sant acerta a mão em cheio nessa produção, tanto na direção quanto no próprio roteiro de seu filme, que não escreve desde Paranoid Park (2007). Acompanhamos de perto as consequências do vício de John e sua falta de motivação, principalmente após o acidente. O humor ácido do roteiro nos permite algumas risadas culposas durante as cenas, mas a verdadeira qualidade da obra está na caracterização do protagonista, imperfeito como todos nós, com suas manias e interpretações da vida que provém de suas próprias experiências.
Quem dá vida à John é Joaquim Phoenix em uma das melhores interpretações de sua carreira, transmitindo toda a angustia e desesperança de um protagonista incapacitado e viciado. Mas a direção abre espaço para que atores coadjuvantes como Jonah Hill e Rooney Mara também brilhem com seus personagens. Mara traz o sorriso angelical de uma mulher simpática e solidária, enquanto Hill protagoniza as cenas mais cômicas do filme, mas também impressionando na carga dramática de seu personagem em cenas específicas, diferente de Jack Black que de fato não consegue sair da comédia e faz um papel sem profundidade emocional.
As sobreposições de animações de algumas das mais conhecidas charges de John Callahan, além de servirem como material de conhecimento ao público, arrancam algumas risadas do público com o humor único do cartunista. Todos os aspectos técnicos se complementam de maneira agradável, mas o que mais se destaca, talvez, seja a trilha musical composta por Danny Elfman, que exalta os elementos jocosos do roteiro com melodias curtas e satíricas, e ao mesmo tempo carrega toda a emoção com músicas dramáticas e sutis.
Ao fim do filme, fica claro que além do tratamento da comédia com drama de maneira dinâmica e envolvente, pouco de novo vemos em À Pé Ele Não Vai Longe. Porém não é na inovação que o Gus Van Sant aposta aqui, mas sim em um trabalho realista e conciso capaz de emocionar o espectador e nos lembrar do quanto a vida é valiosa, e que não deveríamos desistir dela tão fácil.