Crítica: After Life (1ª Temporada)

Crítica: After Life (1ª Temporada)

A superação do luto e a luta pela vontade de viver

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Uma produção da Netflix encabeçada pelo genial comediante britânico Ricky Gervais (aqui como roteirista, diretor e protagonista) é sempre a possibilidade de um prato cheio de comédia para arrancar risos do público com humor negro e muita sátira. A série After Life é exatamente isso, porém muito mais profunda e reflexiva do que parece, por saber dosar, de maneira surpreendente, sua comicidade com um tocante drama que segue o personagem principal durante todos os seus dias.

A história acompanha o viúvo Tony (Ricky Gervais), que acabou de perder sua esposa Lisa para o câncer. Por ser muito próximo de sua esposa, a única pessoa capaz de lhe trazer felicidade (como o próprio personagem afirma em diversos momentos) e por se sentir frequentemente deslocado da sociedade por sua visão pessimista de mundo, ele acaba adotando um comportamento rancoroso diante de todas as pessoas a sua volta.

Desesperançoso e angustiado, o protagonista divide seu cotidiano com tarefas como visitar seu pai (que possui Alzheimer) em uma clínica de idosos, passeios com seu cachorro, consultas com seu psiquiatra, e principalmente seu trabalho como jornalista de um jornal local, onde o chefe é seu cunhado, que tenta de todas as formas motivar Tony a querer continuar vivendo.

O humor da série perpassa as situações mais desconfortáveis e criativas possíveis. Tony não economiza em palavras rudes, e faz da vida de seus colegas de trabalho e de outras pessoas um inferno. Ao longo dos episódios vários novos personagens vão aparecendo e acrescentando à trama de maneira significativa, seja com mais sarcasmo, ou mais conversas profundas e dramáticas sobre a vida e seu sentido.

Com muita facilidade e naturalidade, o roteiro elabora transições sutis da comédia para o drama, presente às vezes em uma mesma cena. Gervais demonstra um domínio impressionante de sua história e seus arcos, assim como de seu personagem, visto que aqui acompanhamos (talvez pela primeira vez) o ator em um papel denso, com traços suicidas e uma depressão visível, que muitas vezes o coloca fora de sua zona de conforto: a comédia.

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Porém o mais interessante de tudo em After Life, não são as boas risadas que guardamos com carinho ao final dos episódios, mas sim a lição de vida por trás de todos os episódios, e o gradativo aprendizado presente no arco dramático de Tony, que nos força a se sentir projetados na pele de um homem de meia idade de luto, com dificuldades em sentir gosto pela vida, após perder sua amada esposa. Somos levados pelo enredo desde as primeiras cenas, movidas por meio de uma soundtrack emocionante, e por reflexões sobre assuntos como a existência de Deus, a vida após a morte, e o prazer (e importância) de fazer o bem ao próximo.

A britânica série é um dos entretenimentos mais acessíveis do catálogo da Netflix, que consegue agradar tanto os espectadores que buscam um humor diferenciado, quanto aos fãs de um bom drama representado por um conflito interno incrivelmente bem desenvolvido. Apesar de algumas piadas repetitivas ou forçadas, After Life nos mostra o que de melhor e mais sensível possui a mente de Ricky Gervais.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.