Crítica: Atypical (1ª temporada)

Crítica: Atypical (1ª temporada)

Quem diria que 7 anos após o lançamento do filme Se Enlouquecer, Não Se Apaixone (2010), Keir Gilchrist voltaria a protagonizar um personagem tão parecido em uma série cheia de tênues semelhanças? Desta vez, Gilchrist interpreta Sam, um peculiar autista de 18 anos que, como todos nós, busca independência. Nesta jornada repleta de desafios, ele e sua família aprendem a lidar com as dificuldades da vida e descobrem que o significado de “ser uma pessoa normal” não é tão óbvio assim, e que todos nós temos um “quê” de anormalidade em nossas vidas.

A curtíssima primeira temporada faz o que de melhor uma série sabe fazer: satisfazer seu público com sensações confrontantes (pena, raiva, alegria) e ainda nos deixar um belo gancho para uma próxima temporada. Em Atypical, o universo de Sam nos é apresentado com louvor, sendo claramente uma lição de roteiro para quem pretende escrever séries. Já de cara nos familiarizamos os personagens principais, sua família. Casey (Brigette Lundy-Paine) faz o papel da irmã rebelde, atleta e durona, mas que no fundo é sensível, e se importa muito com seus pais, seu irmão, e seus amigos. Já Elsa (Jennifer Jason Leigh), mãe de Sam, é a típica mãe superprotetora, e que muitas se sente insegura com sua vida e suas próprias ações. Ainda há o simpático pai de Sam, Doug (Michael Rapaport), que apesar de estar sempre feliz, é quem talvez sustenta a maior carga dramática da série, se cobrando por ter sido um pai ausente na vida de seu filho, enquanto Elsa procura se aproximar mais de Casey.

Num plano secundário, Zahid (Nik Dodani), o colega de trabalho de Sam, e Julia (Amy Okuda), a terapeuta de Sam, garantem bons diálogos, além de gerarem um grande enfoque no protagonista, servindo como conselheiros amorosos de Sam. Ao decorrer dos episódios, vários outros personagens começam a aparecer, criando arcos chamativos, e envolvendo o expectador para dentro do seriado bem rápido.

Apesar do curto tempo de série (8 episódios durando aproximadamente 30 minutos cada), os roteiristas fazem mágica ao conseguir dar sequência à história principal de Sam e ao mesmo tempo conseguir explorar um pouquinho a vida pessoal de cada membro da família. Atypical é sem sombras de dúvida uma ótima comédia, mas que assim como muitas produções que vemos por aí hoje em dia, é calcada em um intenso drama que se esconde nas relações entre os personagens.

Sam é um protagonista que merece a atenção de todos os fãs de séries, mas não apenas por ser autista, porém sim por ser desenvolvido muito bem através de seus medos, seus diálogos repetitivos, sua paixão por pinguins e pela Antártida, sua visão de mundo, sua valorização do amor, e sua procura pela garota certa. Alguns momentos da série chegam a ser tratados com bastante intensidade, mexendo com nossas emoções mais profundas e nos fazendo criar um impressionante laço com os personagens, principalmente com Sam. Assim como em 13 Reasons Why, o bullying é sim abordado, desta vez não como o aspecto principal de um drama adolescente que comanda todo o ritmo da série, mas sendo um dos inúmeros temas que a série expõe. A dificuldade de inclusão social, a falsidade, a vergonha, e muitas outras características definem os personagens como imperfeitos.

Atypical é claramente uma lição de vida – e das boas. Não é um “tapa na cara” da sociedade como a já citada série 13 Reasons Why (o que de vez em quando é ótimo), mas decide optar por um caminho delicado, tocando seu público aos poucos e o emocionando com ótimas cenas de comédia e drama, chegando, por fim, à uma conscientização convidativa e agradável. Não há atuações ruins, mas preciso dizer que Keir Gilchrist se destaca interpretando um personagem complicado, deslocado e inseguro, mas que também é amável, curioso, inteligente.

Tecnicamente, a série não traz grande expressão artística, tendo uma boa direção e uma mediana fotografia, com um frequente uso de planos médios e conjuntos. A montagem é satisfatória, inserindo cortes nos momentos certos. A arte e a trilha sonora são possivelmente as perspectivas mais notáveis de Atypical. A primeira trabalha com cores claras e alegres que refletem a visão “infantil” de um autista, enquanto a segunda traz músicas alternativas que combinam bem com as ocasiões do roteiro, principalmente nos finais de cada episódio, em que as emoções do público dançam com a música e o desfecho das situações dos personagens.

Quase me esqueço! Há ainda outro ponto positivo do roteiro que me sinto obrigado a comentar. Em certas cenas, a série utiliza de um ótimo artifício que me agrada muito: a narração do protagonista. Confesso ser um grande fã de filmes noir e de Woody Allen, o que primeiramente pode fazer de minha opinião tendenciosa, mas é triste ver um elemento tão interessante como a narração ser considerada por muitos um recurso narrativo pobre. Reconheço (e aprecio) que, em muitos filmes e cenas à parte, não se fazem necessário um exagerado uso de explicações, sendo possível transmitir todos os sentimentos de um personagem através da ação. Entretanto, é visível que existem ótimas oportunidades para o diálogo se fazer mais importante do que qualquer outro aspecto em cena, e em Atypical, isso se faz de forma gratificante.

Na minha opinião, a série é um excelente entretenimento, bom para passar o tempo e se emocionar com um enredo delicioso. Espero que, assim como eu, você também possa dar várias risadas com as situações que Sam e seu amigo Zahid se metem. E que também consiga sentir o peso sentimental da obra em cima de sua abordagem cômica.

https://www.youtube.com/watch?v=I5W7mjSli30

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

Um comentário em “Crítica: Atypical (1ª temporada)

Comentários estão encerrado.