Crítica: Bacurau

Crítica: Bacurau

Uma ode ao Nordeste e ao movimento antropofágico

Crítica Bacurau

Na década de 1920, nomes como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral fundavam uma manifestação artística conhecida como “movimento antropofágico” que tinha como objetivo, de forma metafórica, incentivar o brasileiro a consumir sua própria cultura, valorizando o que é seu, e indo contra a dominação cultural do imperialismo cada vez mais presente em nosso cotidiano.

Em 2019, os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles buscam retomar os princípios desse movimento por meio de uma experiencia cinematográfica que faz jus ao que é nosso, justo em um momento em que precisamos mais do que nunca reconhecer as qualidades de nossas artes para que a cultura permaneça viva, fomentando conhecimentos ao redor do mundo.

Em Bacurau, somos apresentados ao sertão brasileiro e, ainda que brevemente, à 50 personagens que compõem um vilarejo afastado e árido no interior pernambucano, e que recebe o mesmo nome do filme. Os habitantes do povoado começam a notar pequenos indícios de que há algo errado na região. Desde a falta de sinal repentina nos celulares até a chegada de um caminhão pipa furado de balas e a visita de misteriosos motoqueiros do Sudeste. Conforme pessoas começam a aparecer mortas, o caos se instala e a população procura encontrar um jeito de defender seus familiares e sua terra, custe o que custar.

Embora a ausência de protagonismo do filme seja comprometedora para alguns espectadores, é relativamente compensada pelo sentimento de união gerado pela harmonia e convivência dos vários personagens da história. Aqui, alguns se destacam, como o determinado Acácio (Thomas Aquino), a jovem Teresa (Bárbara Colen), o sanguinário Lunga (Silvero Pereira) e até a corajosa Dona Domingas (Sônia Braga). Todos, com suas características singulares, ajudam a compor uma unidade nordestina que representa perfeitamente os traços e a identidade marcante de nosso país. Enquanto os impiedosos estrangeiros norte-americanos, liderados por Michael (Udo Kier), representam o que de mais cruel e desumano pode existir em um antagonismo, e faz referência, de forma indireta ao imperialismo estadunidente e como o mesmo invade, à força, o espaço que não lhe pertence.

Crítica Bacurau

O sentimento de brasilidade pulsa nas veias de qualquer brasileiro ao presenciar e sentir junto com os personagens, a invasão provocada por pessoas desprezíveis que aos poucos se apoderam do vilarejo e continuam a cometer assassinatos contra a população. Porém aqui, os brasileiros (mais especificamente nordestinos), não são retratados de forma genérica como em diversas produções hollywoodianas que nos representa de forma vulnerável e submissa. A dupla de diretores faz questão de expor o verdadeiro espírito valente de nossa população, principalmente nordestina, uma vez que sobram até ironias sobre a xenofobia e o racismo do Sudeste e sua forma de achar que pouco se enquadra nas raízes nacionais e não se aproxima da cultura nordestina, embora ambas façam parte do mesmo país.

De forma sutil e inventiva, o roteiro abre espaço para inúmeras outras observações a respeito dos costumes dos personagens, escancarando a falta de semelhança entre a cultura norte-americana e a cultura nordestina.
Sem medo de mostrar o que é nosso e o que faz parte de nosso cotidiano, Bacurau se mostra um thriller convincente e crítico que funciona e se sustenta com seu ritmo de direção, desenvolvimento de enredo e um elenco naturalmente competente.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.